sábado, 15 de dezembro de 2012

DE MARX AO MARXISMO DE HOJE




Frank Svensson – 19.10.2003 
                                          
A revolução russa (1917), bem como, a revolução alemã, a chamada república de Weimar (1918/19), delimitam um período do desenvolvimento do marxismo. Pela primeira vez dois partidos socialistas adotaram-no declaradamente como ideologia ao deter o poder do estado. Evidenciaram-no como uma das principais correntes de pensamento do século XX.  À diferença da época anterior, o marxismo ganhou sua Meca. Passou a gozar de referencias geopolíticas concretas das quais captar orientação, não se limitando mais a pronunciamentos individuais de personalidades como Engels, Kautsky, Plechanov e outros.

Desde 1920 até os anos 70 o marxismo-leninismo oriundo da experiência soviética e da dos países do leste europeu marcou o desenvolvimento do marxismo. Os marxistas da socialdemocracia praticamente desapareceram ou foram ligados a distintas distorções do marxismo. Após a segunda Grande Guerra diminuiu ainda mais a liderança teórica de pensadores individuais. No ocidente o desenvolvimento do marxismo como corpo teórico voltou-se para o mundo acadêmico. Segundo Susan James esses novos teóricos marxistas, à diferença de seus antecessores não viram a obra de Marx como fonte de previsão do futuro ou como elaboração de um manual de ação revolucionária, mas como origem de um rico e instigante método  explicativo da realidade.1

Com a divisão do socialismo internacional entre comunistas e socialistas, com as contradições entre marxistas revolucionários e partidos institucionalizados, e entre distintos enfoques de marxismo teórico, a original dialética de Marx (entre conhecimento histórico, revolução, teoria econômica e organização do movimento obreiro) decompôs-se em suas partes.  Essa desintegração daquilo que um dia constituiu a obra total de Karl Marx é talvez a principal característica e problema do marxismo dos nossos dias.  Essa divisão em áreas distintas, com diferentes projetos, diferentes tendências teóricas e distintas práticas é hoje tão flagrante que é de se perguntar o que restou do projeto original de Marx. Sua totalidade dialética constituía um sistema que era garantido por relações internas de componentes condicionantes uns dos outros.

Nem a teoria de Marx (filosofia e economia) ou a prática (estratégia revolucionária e organização dos trabalhadores como classe) baseou-se em algo fora dos homens, entendidos em suas atividades, dentro de condições históricas particulares. A grande diferença entre a síntese de Marx  e as dos que vieram depois decorre dele incluir o concreto trabalho humano em sua dialética histórica.

O sistema filosófico de Hegel, composto da lógica dialética, da filosofia da natureza e da filosofia do espírito 2, formava ele também uma totalidade na qual as distintas partes eram dependentes umas das outras. Essa maneira de relacionar distintas áreas da realidade entre si como partes de uma totalidade necessária era característica tanto para Hegel como para Marx, bem como para o marxismo inicial. É justamente nisso que se percebe a continuidade entre Hegel, Marx e os primeiros marxistas. O que os distinguia eram as partes constituintes das respectivas totalidades e como por sua vez produziam distintos conceitos sobre os elementos mantidos no desenvolvimento do marxismo daí decorrente.

A principal mudança de Hegel a Marx foram suas restrições quanto ao conceito hegeliano do absoluto, ou seja, o entendimento de uma ideia ou de um espírito existente desde o surgimento do universo e independente da historia humana. Para Hegel a natureza objetiva era expressão dessa ideia já num segundo estágio, o de quando ainda não tinha consciência de si mesma. Condição básica para a estruturação de todo o sistema de Hegel. A crítica de Marx à noção hegeliana do absoluto baseava-se na crítica naturalista que Feuerbach fez de Hegel, e em Feuerbach concebendo   a sua totalidade no realmente terreno e no homem dotado de sentidos.
À diferença de Feuerbach, Marx via esse homem como ser objetivo e ativo, atuando em circunstâncias historicamente determinadas. Desenvolveu uma filosofia da história de conteúdo totalmente distinto da de Hegel.  Segundo Marx a essência da história humana reside no desenvolvimento de suas forças produtivas dentro de suas condições sociais e não como queria Hegel afirmando o desenvolvimento espiritual dos homens como a questão central.

A economia constituía em Marx a base das relações sociais, ou seja, do comportamento social dos homens. O restante da totalidade de Marx, a elaboração de uma estratégia da revolução socialista, compunha-se de duas partes: 1) a teoria da revolução socialista e  2) a teoria e o trabalho de organização da classe obreira. Aqui também havia uma interdependência das partes, ou seja, não é possível entender a teoria da revolução de Marx desligada da teoria da organização da classe obreira e vice-versa. Condições históricas fizeram, no entanto, com que essas duas partes se separassem ao correr do tempo.

O conceito de totalidade de Marx baseia-se numa práxis filosófica de caráter político tendo a práxis revolucionária como sua principal categoria. Sem a mesma as demais partes da totalidade de Marx podem facilmente ser vistas como isoladas umas das outras. Vê-se então, por um lado, a revolução socialista em resposta a uma necessidade histórica e econômica objetiva dependente de uma práxis revolucionária, e, por outro lado, a organização da classe trabalhadora como um movimento em si independente de práxis revolucionária. Nesse caso a totalidade de Marx pode facilmente ser reduzida a uma teoria da história, bem como, a uma teoria econômica, ambas objetivas mas independentes do processo histórico do qual participam, tanto como teoria sobre a história como como teoria sobre a economia capitalista para a continuidade da história e como teoria da revolução socialista.

Mesmo se a ideia de um socialismo científico, baseado em leis dialéticas, foi importante para a vitória do marxismo como ideologia de movimento, há que considerar que o seu desenvolvimento teve como determinantes as condições sociais e políticas reais da Alemanha e da Rússia. Na Alemanha existia já em 1880-90 um movimento obreiro politicamente orientado para o socialismo, mas faltava um movimento revolucionário que com todos os meios lutasse pela queda do regime reinante. Na Rússia dava-se o contrário. Lá havia a mais de meio século uma tradição de luta clandestina revolucionária, mas sem um movimento operário autônomo. Foi pelo marxismo que o movimento operário alemão teve sua identidade caracterizada como revolucionária, enquanto que o movimento revolucionário russo teve suas raízes no proletariado teoricamente identificadas pelo marxismo. Com a ajuda do marxismo podia-se ignorar o fato que o movimento operário alemão não era, e nunca havia sido, um movimento revolucionário da mesma forma que na Rússia com a ajuda do marxismo foi possível legitimar o surgimento de um movimento operário independente e muitas vezes em contradição com a intelectualidade revolucionária daquele país.

Quando nos anos 1890 a tendência reformista do movimento alemão, bem como, a tendência economicista do movimento obreiro russo começou a despontar, a ideologia do marxismo teórico viu-se desafiada. Na Alemanha perguntava-se se o movimento operário era realmente revolucionário enquanto na Rússia se questionava a posição do movimento operário em face da revolução burguesa.

Outra tendência de se notar foi a de uma maior compreensão pela dialética da natureza desenvolvida por Engels, do que do conceito de atividade humana apresentado por Marx. O desenvolvimento do capitalismo e sua passagem para uma sociedade socialista foram em muito entendidos como decorrentes de um processo histórico sujeito a leis similares às da natureza. Mesmo se a ideia de um socialismo científico (à guisa das leis da natureza) baseado em leis dialéticas foi importante como ideologia do movimento comunista, o desenvolvimento e conteúdo do marxismo foram determinados muito mais pelas relações políticas e sociais das condições concretas e factuais. Na Alemanha, como já vimos, havia um movimento operário organizado e voltado para o socialismo, enquanto que a Rússia detinha uma tradição de meio século de trabalho de oposição clandestina ao regime tzarista. Essa dualidade histórica do desenvolvimento do marxismo tornou a dialética -- como síntese entre filosofia da história, teoria econômica, movimento revolucionário e organização da classe operária – problemática.

São conhecidos os esforços de personalidades como Bernstein, Lênin e Rosa de Luxemburgo por resolver o problema. Condições idênticas às de Marx e as de décadas após não voltaram a se apresentar. Marx foi quem inegavelmente apontou certos processos fundamentais da economia capitalista melhor do que qualquer um de seus concorrentes, como por exemplo: a vitalidade da economia capitalista, seu poder de concentração e centralização e o inevitável das crises econômicas. Conseguiu prever que a classe trabalhadora tornar-se-ia uma classe específica da sociedade burguesa e que no desenvolvimento do capitalismo dar-se-ia um movimento social e político entre os trabalhadores. Nisso residiu e reside ainda a força do corpo teórico e do exemplo de vida de Marx.

Os seus esforços por uma síntese das condições burguesa e proletária, do objetivo e do subjetivo, de materialismo e de idealismo, de ciência e de crítica, de reforma e de revolução, resultaram após a sua morte numa ciência objetiva materialista revolucionária com sua expressão maior no marxismo-leninismo. Foi nele que se quis manter a ação recíproca dos componentes da totalidade reconhecida por Marx. Em muito por formas afins às da dialética da natureza. O grande desafio de nossos dias passa pelo reconhecimento ativo de o marxismo fundamentalmente constituir um corpo teórico identificado por seu caráter ativo e político. Pelo esforço em favor da síntese contemporânea de seus componentes essenciais. Para tanto não bastam as ações e reflexões individuais por mais interessantes e instigantes que possam ser. Implica a ação e reflexão resultante de formas socialmente organizadas entre as quais os partidos e agremiações que se querem de base marxista são chamados a assumir um papel de vanguarda.3


No t a s :

1 - Susan James no capitulo sobre “Louis Althusser” em Skinner, Quentin: Return of Grand Theory in the Human Sciences. Cambridge 1985.

2 - A Filosofia do Espírito de Hegel é constituída de três partes: Espírito subjetivo, que trata do que se poderia denominar questões psicológicas, bem como, das aptidões do ser humano como ser pensante; Espírito objetivo que trata o espírito corporificado na sociedade humana, ou seja, sua Filosofia da História e Filosofia Política; e finalmente Espírito absoluto que trata do conhecimento absoluto de si mesmo expresso na arte, na religião e na filosofia.

3 – De Per Manson: Fran Marx till Marxism – En studie av Karl Marx och marxismens framväxt (De Marx ao marxismo – Um estudo sobre Carlos Marx e o desenvolvimento do marxismo). Röda Bokförlaget, Gotemburgo, 1987.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Eleições do DCE na UNB: Reacionarismo e Barbárie



                Na última terça-feira dia 27 de novembro às 12:30 horas no Anfiteatro 11 do Instituto Central de Ciências - UnB as 06 Chapas que estão em campanha para as eleições do Diretório Central dos Estudantes – DCE da UnB realizaram um debate para apresentação/discussão de programas e propostas. Momento importante e legítimo de organização estudantil é também um termômetro importante para a apreensão de quais projetos estão em disputa e o que eles representam para a vida acadêmica e o que expressam das contradições e conflitos que atravessam a própria sociedade.
                Neste debate e, a própria campanha, não obstante o fato de existirem 06 chapas, revela claramente duas forças em disputa: os segmentos de direita e reacionários de um lado, e, uma articulação de esquerda.
                O debate de terça-feira, deixa clara a necessidade de uma tomada de posição efetiva dos setores progressistas e de esquerda da universidade em torno de um projeto que contraponha radicalmente esta direita reacionária que ai está. Ademais todo o legalismo, a visão privatista da universidade pública, a ausência de posicionamento e crítica em face do governo distrital e federal que garantem o aprofundamento da educação como mais um serviço vendável, mais uma mercadoria como todas as outras; o debate de terça-feira revelou também a barbárie social expressa nas opressões sociais que são tão amplamente difundidas na sociabilidade.
                O preconceito que se efetiva sob diversas formas de discriminação é uma realidade que atravessa a vida de mulheres e homens. A diversidade humana que se expressa na etnia, no gênero, na orientação sexual no modo de ser e viver tem sido espaço fértil para diversas modalidades de opressão. Na terça-feira manifestações abertas e claras de racismo apresentaram-se durante o que deveria ser um debate realmente político.
                Nós comunistas somos radicalmente contrários ao racismo, porque enquanto forma de opressão particular ele revela também uma dimensão universal, aquela que remete a sociabilidade sob a égide do capital que convive ou reinventa formas de arrefecer a existência humana tornado-a tão banal como o sentido descartável dos objetos que são produzidos e consumidos. E, também porque o racismo assim, como todas as outras formas de opressão, evidencia a nossa perda de reconhecimento da nossa genericidade. Reafirma-se uma sociabilidade de “eu” incapaz da “consciência de nós”.
                O que foi posto as claras no debate dos estudantes, demonstra o legado do capitalismo para esta e as próximas gerações: mais barbárie, mais conformismos, mais indiferença, mais intolerância. 
                Diversas são as trincheiras nesta luta que podem e devem ser ocupadas seja na educação, na política, nos movimentos sociais, nos partidos, nas artes... em todos estes âmbitos existem sim especificidades próprias, mas com certeza o que articula tudo isso é a necessidade de combate não só ao neoliberalismo e ao reformismo, mas imprimir a todas as lutas um caráter anti-capitalista.      

Por Adrianyce Angélica Silva de Souza. Base Heron de  Alencar / PCB

sábado, 1 de dezembro de 2012

Juventude Comunista discute Universidade Popular

Por Erica Ramos e Joseane Rotatori*


Apesar de muito se propalar a ideia de direito à educação como necessária à emancipação de uma sociedade, vivemos um processo crescente de mercantilização desse direito básico e assegurado pela Constituição Brasileira. Nas reflexões iniciadas na III Reunião do Grupo de Trabalho Nacional de Universidade Popular – GTNUP sinalizamos a necessidade de promover um sistema educacional que possibilite o acesso universal de toda à população e que reflita, sobretudo, sobre a nossa organização em sociedade.


Apesar dessa pretensão, o Movimento pela Universidade Popular (MUP) toma como ponto de partida os questionamentos acerca do nosso atual modelo que se orienta, predominantemente, pela meritocracia - como diretriz fundamental do acesso -, pela privatização do ensino– onde há busca incessante pelo lucro, em detrimento, de uma educação de qualidade. A respeito do primeiro aspecto, explicitamos que tanto o sistema de cotas quanto a abertura de cursos superiores voltados a capacitar movimentos sociais e grupos específicos situa a preferência pelo mérito antes como valor cultuado no universo acadêmico do que como princípio necessário para a educação que queremos. A educação como direito, portanto, não se destina a agraciar os mais bem colocados em vestibulares que mensuram o conhecimento escolar, mas se volta a reparar situações históricas de acesso desigual à educação formal. Entretanto, tais ações têm ocorrido mais à margem da política educacional de sorte a questionar as convencionais formas de acesso e a meritocracia, não se colocando como alternativa para repensar a educação como via de transformação social.
Quanto à privatização do ensino, vimos que o Estado, em vez de elaborar políticas sociais que buscam a universalização não somente do ensino básico, mas também, do ensino superior, investe em programas como o ProUni, projeto que amplia o acesso ao ensino superior privado mas com o custo do envio de montantes megalomaníacos aos tubarões da educação. Outra forma de popularização verifica-se com a massificação da educação superior que para alguns estratos da população é apontada como uma via de ascensão social. Seu contraponto incide no fato de essa expansão do ensino se dar a partir de uma flexibilização curricular e das diretrizes básicas que devem acompanhar a oferta de cursos superiores limando a qualidade da educação superior. Ainda nesse Eixo, programas como o REUNI ampliam o número de vagas, mas são desprovidos de um debate que gere uma real mudança, em todos os níveis, desde a construção democrática de currículos preocupados com sua inserção social até, e principalmente, o acesso das classes mais desfavorecidas e excluídas.
Durante a III Reunião do GTNUP foram feita duas campanhas de grande importância no espectro dos debates sobre educação pública, gratuita, de qualidade e, sobretudo popular. A primeira propõe a luta contra o PL 2177 – Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esse PL trará uma verdadeira submissão das universidades públicas e federais ao capital privado, uma vez que as universidades públicas terão cada vez mais apoio das fundações de apoio privadas e agências de fomento ao invés do financiamento público de qualidade. Essas fundações privadas irão condicionar o desenvolvimento de suas pesquisas a interesse do mercado e não da classe trabalhadora, no geral.
Já a segunda campanha, foi contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), criada pela Lei nº 12.550/2011. A implementação desse projeto determina a atuação dos Hospitais Universitários (HU’s) e/ou Hospitais das Clínicas (HC’s) na contramão do papel social que a saúde pública deve cumprir, ao privatizar mais de 45 hospitais em todo o país e romper com o monopólio do SUS. Esses hospitais perderão a sua autonomia universitária, deixando de ser um espaço de ensino, pesquisa e extensão de qualidade para se submeter a uma lógica de mercado, com cumprimento de metas e precarização do regime de trabalho. É uma privatização de dois bens públicos, a educação e a saúde. Esses dois bens não podem ser submetidos à lógica do mercado.
Apesar de a discussão a respeito da educação popular explanar sobre o acesso à educação, ela prima, sobretudo, pelo conteúdo que é reproduzido/produzido nessa atividade. A educação que dispomos, mesmo que no seu mais alto grau de excelência, valoriza e inserção profissional no mercado de trabalho e menos a superação de um sistema de produção/reprodução assentado na desigualdade. Em vista disso, reivindicamos uma educação que vise o rompimento com a reprodução da sociedade de classes em sua construção, rumo à transformação social e a não subordinação das necessidades humanas aos interesses governamentais e do capital, de forma que desconstrua a legitimação da manutenção da ordem vigente. 

* Erica Ramos e Joseane Rotatori são militantes do PCB e mestrandas na Universidade de Brasília.

sábado, 29 de setembro de 2012

Camarada Erica Ramos apresenta reflexão Mulheres na disputa por Soberania e Segurança Alimentar no campo


Mulheres na disputa por Soberania e Segurança Alimentar e contribuições para a luta feminista no campo

                                                                                                         Erica Ramos[1]

            Apesar de ser recente o engajamento de mulheres organizadas em movimentos próprios do campo como o MMC e o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) e organizações feministas, não ocorre o mesmo com a violência a qual elas denunciam. Sua condição de mulher camponesa procura fazer resistência a uma dupla forma de vulnerabilidade ao interseccionar a dominação de gênero e a sofrida pelo campesinato. Pretende-se apresentar o caso específico das mulheres que vêm sua racionalidade ser subjugada e marginalizada tanto pelas instituições sociais que reproduzem o patriarcado, quanto pela a racionalidade científica e econômica marcada pelo capitalismo.

            No âmbito da agricultura, a divisão sexual do trabalho ocorre tal qual no meio urbano como uma separação e hierarquização de atividades entre os indivíduos. Enquanto os homens assumem atividades que estão mais ligadas à produção externa e o comércio como o cuidado com os animais de grande porte, o abate e a lavoura para venda, as tarefas de manutenção do ambiente doméstico são em grande medida ocupadas pelas mulheres, de modo que, por não gerar renda diretamente, o trabalho feminino acaba por ser subvalorizado (MELO, 2006). Isso implica que as mulheres sejam relacionadas ao campo da reprodução social e menos da produção, apesar de ambas as categorias apenas refletirem dimensões da atividade laboral quando mais próximas ou menos dos proventos financeiros

            Mesmo participando da cadeia produtiva, o trabalho doméstico tende a ser visto como um não-trabalho e sim como uma inclinação natural para essas atividades.            Dessa forma, as atividades femininas acabam por recair no campo da natureza “natural”, menos interpretada como uma construção social operada num modo de vida em que os agentes exercem suas atividades a partir de escolhas, contingências e significados para a sua existência.

             Mesmo subvalorizadas, as atividades exercidas pelas mulheres são de extrema importância para a reprodução da família, especialmente em ambientes de extrema pobreza. São elas as principais responsáveis pelo consumo da unidade familiar, assumindo o controle pelos hábitos alimentares da família (PANZUTTI, 2006; PORTELLA e SILVA, 2006). Ainda segundo Menasche et al (2008) a produção para o autoconsumo é atividade preponderantemente feminina além de serem elas as responsáveis pelas trocas dentro da comunidade que possibilitam diversificar o cardápio da unidade familiar e atualizar os vínculos sociais. A construção dos hábitos alimentares são antes pensados, elaborados e significados e não meramente comidos para sanar necessidades físicas e corporais.

            Visto isso, a contribuição dessas mulheres vai muito além da saúde das populações rurais. Relaciona-se, em última instância, à reprodução e à produção de valores e significados culturais em face de um horizonte cultural precedente. Não se trata aqui de excluir a participação de outros atores sociais nos padrões de sociabilidade desenhados, todavia é importante destacar que o trabalho feminino exige esforço teleológico e que a partir daí diferentes símbolos serão construídos em torno da produção e consumo dos alimentos.

            Cabe também enfatizar as mudanças sofridas no espaço, no tempo e no tipo de trabalho exercido pelas mulheres face às alterações provenientes do aprofundamento das relações capitalistas no campo. Analisando a produção algodoeira no Leme-SP, Nilce Panzutti (2006) constata que a forte mecanização do campo promoveu a individualização do trabalho e a redução da das atividades femininas ao espaço doméstico. O homem com o auxílio do trator, da colhedeira entre outros artefatos, prescinde de força-de-trabalho para tocar o cultivo da lavoura.

            Ainda sobre a questão de gênero no campo, Menasche et al pontua que a redução da propriedade e a grande oferta de alimentos no mercado culminaram numa redução do autoconsumo e do trabalho feminino no roçado. Contribuiu ainda para a redução da produção, o desaparecimento dos moinhos coloniais destinados ao preparo dos farináceos (espaço de trabalho tipicamente feminino), bem como a compra de sementes e mudas em detrimento da aquisição no interior da propriedade mediante colheita e secagem das sementes. Ainda outros fatores podem ser destacados como a dificuldade de acesso à água e redução da biodiversidade das florestas.

            Dito isso, argumenta-se que a elevada mecanização do campo ajudou a aumentar a divisão sexual do trabalho e reduziu a importância e o espaço de trabalho da mulher, sendo apontada como uma das causas para a redução maior da população feminina no campo em relação à masculina. Isso reflete uma erosão dos valores simbólicos referentes ao modo de produção/reprodução que garantia o pertencimento comunitário e territorial dos indivíduos.

            A articulação política de mulheres, especialmente a partir de 1980, vem justamente fazer frente à reprodução do patriarcado e ao modelo de desenvolvimento rural que o reduz a produção agrícola. Em que pese o fato de já tentarem incluir nas pautas do Movimento dos Sem Terra (MST), Confederação Nacional dos Trabalhadores (CONTAG), Federação Nacional dos Trabalhadores (FETRAF) entre outros, constituir movimentos especificamente voltados para a questão da mulher rural, permitiu que suas pautas fossem priorizadas. Em especial a década de 2000, além das mulheres já organizadas politicamente no MMC e no MIQCB, ocorrem as sucessivas aparições em manifestações públicas como a Marcha das Margaridas (2000, 2003, 2007 e 2010). Na terceira marcha, dentro das suas reivindicações também é inserida a segurança alimentar e nutricional como um eixo de luta.

            Para Siliprandi (s.d.) tal mobilização busca a afirmação de sua identidade e racionalidade como mulher, articulando-se não só em torno da questão alimentar, apesar de essa ser uma pauta com bastante eco dentro dos movimentos feministas do meio rural. Também passam a organizar-se dentro da Via Campesina, com o MMC em 2000, refletindo uma disputa por soberania alimentar e de desenvolvimento rural, em conjunto com outras categorias identitárias.

            Muito embora, tal grupo social tenha sido amplamente afetado pela modernização agrícola e, consequentemente, pelas mudanças dos hábitos alimentares, o contexto de luta pela soberania e segurança alimentar é uma arena que pode favorecer a sua participação no meio político por ser uma pauta que simbolicamente e culturalmente é ligado a elas. A abertura destes espaços é fundamental para que se possa pensar que modelos de organização produtiva consoantes aos interesses das mulheres.

            Entretanto, essa maior inclinação das mulheres para a questão alimentar não poderia estar novamente as restringindo ao espaço doméstico e do cuidado com a família? Em que pese o fato de ser um campo majoritariamente feminino, a organização  política de mulheres possibilita desestabilizar os antigos papéis de gênero e redesenhar esse modelo de produção familiar respeitando a sua autonomia individual. O orquestramento das lutas em torno da soberania alimentar, contrapondo-se ao processo de modernização conservadora no campo, conduz a um processo no qual a disputa possa se fazer também em outras frentes de interesse como o reconhecimento do espaço da mulher na agricultura familiar. Destaca-se, portanto, a possibilidade de se projetar que papel elas querem assumir e conformar outras formas de racionalidades na construção da soberania alimentar nos distintos territórios.



[1] Assistente Social, Mestranda FUP/UnB, militante do PCB,Base Heron de Alencar/ UnB
 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

PCB presente em ato a favor da reeleição de Chávez




O PCB esteve presente, na manhã dessa segunda-feira (24/09), em ato em frente ao Consulado da Venezuela no Rio de Janeiro durante o qual militantes e forças políticas e sociais anti-imperialistas entregaram ao cônsul daquele país, Edgar González, o manifesto "Brasileiros com Chávez, pela Venezuela e América Latina!", em apoio à reeleição de Hugo Chávez nas eleições de 7 de outubro.

De acordo com o secretário-geral do PCB, Ivan Pinheiro, a permanência de Chávez no Palácio de Miraflores "deve servir à perspectiva do avanço do processo de construção do socialismo", o que só ocorrerá "com a mobilização e organização dos trabalhadores na construção do Poder Popular".

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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Camarada Carlos Nelson Coutinho, presente!


A Base Heron de Alencar do Partido Comunista Brasileiro (PCB) manifesta seu imenso pesar pela morte do camarada Carlos Nelson Coutinho, intelectual e militante comunista, deixa para os que lutam por uma sociedade comunista um exemplo de coerência e retidão.

Camarada Carlos Nelson
Presente!

Base Heron de Alencar - PCB




segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Nota da Base Heron de Alencar do PCB sobre o Segundo Turno na UnB



O que pensam nossas/os militantes sobre o segundo turno da consulta para a Reitoria da UnB





            A reta final da consulta para a reitoria da Universidade de Brasília está se aproximando. Nesse segundo turno, a universidade enfrenta o risco de ter como reitor o representante dos setores mais conservadores da universidade. Para entender o que representa a candidatura da chapa 86, de Ivan Camargo e Sonia Bao, é preciso considerar a atuação política desta chapa e também dos setores que se aglutinaram em torno desta candidatura e, ir além, reforçar quais são os impactos dessa atuação política para a universidade. Para os comunistas a defesa do projeto de educação pública, gratuita, de qualidade e sobretudo popular se encontra em pleno antagonismo com o projeto de educação privatista e anti democrática dos parques tecnológicos, da violência policial, da falsa meritocracia, etc.
            O argumento da "Universidade Meritocrática" é certamente um dos mais repetidos em ambos os turnos dessas eleições e é, também, um dos mais elitistas. Debater a meritocracia dentro dos padrões desenvolvidos historicamente pela política educacional brasileira é fechar os olhos para as disparidades sociais e educacionais, bem como ignorar a reprodução escancarada da sociedade de classes, e suas contradições, na educação brasileira e na Universidade de Brasília. A defesa de uma universidade sobre estes padrões é, necessariamente, a defesa da universidade cada vez mais descolada da realidade e distante do protagonismo que deve assumir junto a sociedade e suas parcelas historicamente excluídas da integração e organização do ensino superior. A Universidade Pública tem sido usada como um centro de reprodução do saber, da formação profissional e da ideologia dominante.
O que em tese deveria ser um espaço para a formação do senso crítico e para a produção de um conhecimento a partir da classe trabalhadora, e voltado para ela, mais do que nunca vem funcionando de acordo com interesses privados.
            O estado em que se encontra a educação brasileira, refletido também na UnB, não pode ser entendido apenas como um problema de ordem administrativa, mas deve, sim, ser observado como reflexo de uma concepção de Estado que prima por parcerias que beneficiem a iniciativa privada e seus grupos responsáveis, submetendo a universidade à uma lógica elitista, privatizante e corrupta. É nesse sentido que as fundações privadas, parasitas das universidades brasileiras, se apoderam dos recursos e capacidades da UnB. Estas mesmas fundações, envolvidas em escândalos de corrupção país afora, vivem hoje fortalecidas pela conivência e aceitação da atual reitoria da universidade, da qual Márcia Abrahão fez parte como decana de graduação. A escalada dessa política contraditória se nota mais claramente nas gestões Timothy Mullholand e Lauro Mohry, ambas gestões representadas no projeto político de Ivan Camargo e Sonia Bao. Não há discurso que mascare que ambas as candidaturas, neste segundo turno, estão longe de tocar o descredenciamento do parasitismo representado pela FINATEC e demais fundações. Em especial a candidatura da chapa 86, ponta de lança do grupo político que se forma, dentre outros aspectos, a partir das demandas das fundações privadas, tem buscado fortalecer ainda mais a permanência do modus operandi do privatismo, idealizando uma proposta que não fará outra coisa além de abrir ainda mais a universidade para as fundações privadas e grupos econômicos que apontam para um projeto neoliberal. Estamos falando do chamado "parque tecnológico", que já foi derrotado na UFRGS, o que a retirou, em parte, de sua posição submissa e comprometida com a formação de conhecimento destinado ao atendimento de demandas empresarias e não sociais. A UnB não é um balcão de negócios e, portanto, não podemos permitir que tal política se acentue na universidade.
            Uma das conquistas mais valiosas para a democracia da universidade ainda não foi plenamente conquistada e, pior, vive sob o fio da navalha. A paridade para a consulta eleitoral esteve ameaçada pela atuação dos setores conservadores desde sua primeira aparição e foi novamente ameaçada por ação judicial protocolada pela atual direção da ADUnB, já conhecida por seus conchavos absurdos e por seu apoio irrestrito à chapa do conservadorismo nesse segundo turno. A atuação política dos candidatos reacionários sempre se orientou no sentido de retirar mais um direito conquistado pela UnB, isso fica claro quando estes se apresentam invocando a criminalização da paridade e se esquecem da autonomia e da capacidade da universidade se gerir.



Dizemos não a chapa 86 "A UnB Somos Nós", por entender que o caráter público da universidade é antagônico ao projeto apresentado pela chapa, o que deixa claro que a UnB não são eles. Reforçamos que a universidade pela qual lutam os comunistas, a universidade popular, se apresenta como projeto alternativo ao projeto de educação das elites, este defendido no programa da chapa 86.




terça-feira, 28 de agosto de 2012

Mulheres e Arquitetura


Mulheres e Arquitetura
Frank Svensson*

(Trabalho apresentado no XXVIII encontro nacional de estudantes de arquitetura e urbanismo – Brasília, 11 a 18 de julho de 2004).

Prof. Dr. Frank Algot Eugen Svensson
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
Universidade de Brasília
A questão da equiparação das mulheres aos homens está presente com freqüência, nos jornais, nas reuniões de trabalho e nas assembléias políticas do nosso tempo. Muitas mulheres se tornaram conscientes de como a sociedade as condiciona e lhes limita a vida. Apesar da compreensão que alguns homens apresentam pelo problema, pode-se constatar que a sociedade continua a impor padrões de discriminação social. Ainda é diminuta a representação feminina no Congresso Nacional, bem como nas Câmaras Estaduais e Municipais. No campo da formação de profissionais para a arquitetura aumentou, no entanto, consideravelmente o número de arquitetas, mas é de se perguntar se aumentou o interesse para com os problemas da mulher em relação à arquitetura. Principalmente no que concerne a melhores condições de vida e trabalho, ou seja, a um melhor uso do tempo.

Uma sociedade dos homens e outra das mulheres?
Em muito a nossa sociedade parece ser dividida em uma dos homens e outra das mulheres. As relações empregatícias são diferentes, as visões de mundo são diferentes, e a quantidade de trabalho é maior para as mulheres. Já se sabe que quando consegue ser assalariada, tem que dar conta, além do trabalho profissional, também do trabalho doméstico. Quando consegue obter um emprego geralmente ainda o faz em profissões distintas das dos homens. Basta observar o nosso próprio lugar de trabalho, a UnB. A maioria do pessoal burocrático e a maioria das turmas de limpeza são mulheres. Já a esmagadora maioria dos chefes, é de homens. Logicamente isso implica em experiências de vida distintas.

O trabalho doméstico desperta pouco interesse como objeto de arquitetura
Somos de opinião que a posição dada à mulher na nossa sociedade, pode ser lida, também, na arquitetura do edifício e da cidade. Uma área de manifestação imediata da não equiparação diz respeito ao trabalho doméstico. Uma desigualdade que se manifesta de formas distintas, conforme o nível econômico da família, mas que persiste em todos eles. Concordamos com Samora Machel, o qual, numa publicação do FRELIMO sobre o problema da equiparação, fez ver que o mesmo não se resolve simplesmente por uma atitude de ela lava e eu enxugo. Mas como é então que deve ser encarado? E por que é que as trabalhadoras da arquitetura não movem uma luta mais intensa no sentido de tal esclarecimento? Por que não se dedicam mais à pesquisa habitacional? Por poderem, como membros da alta classe média, dispor de serviçais e, assim, propiciar a exploração da mulher pela mulher dentro do próprio lar?
A Sociedade, em seu desenvolvimento capitalista, dissolveu a transmissão natural, de adultos para crianças, do conhecimento quanto ao trabalho.  Já em tenra idade elas eram julgadas aptas a participar nos afazeres dos pais. Em tais condições não se podia falar, propriamente, de infância como essa é entendida hoje. A criança era prontamente incorporada ao mundo dos adultos, absorvendo os seus valores e aptidões. Isso tinha a vantagem de assegurar um sentimento de participação e de continuidade da vida em família. 
Para o modo de vida que a chamada classe média hoje leva, já não é assim. Só como adolescentes, as crianças passam a ter contato com a produção. Vivem cedo a divisão social do trabalho e perdem a visão de conjunto do processo produtivo, bem como de sua reprodução. Reflete-se à escala da família, o fato da experiência do local de trabalho ser encaminhado para o pensar de engenheiros e similares. A tendência em especializar e em setorizar, no intuito de tornar o trabalho mais rentável, separou a casa da oficina, o trabalho produtivo da vida doméstica e do lazer. Surgiram dois mundos: o mundo visível dos homens e o mundo privado e não percebido das mulheres.
O trabalho produtivo passou a ser assalariado, e como deve ser lucrativo passou a ser organizado de forma a se tornar o mais eficiente possível. Mas aquele trabalho necessário à reprodução da força de trabalho, a criar uma nova geração que assegure as relações sociais estabelecidas, foi liberado da produção propriamente dita. Desenvolve-se, hoje, no recôndito dos lares. Tornou-se privado e não assalariado, e como não se exige que seja assalariado também não se exige que seja organizado de forma efetiva. Simplesmente não é contado como trabalho e, assim, pouco conta para os teóricos e para os práticos da arquitetura. 
Tradicionalmente o trabalho doméstico pode ser visto como de duas dimensões. Uma que implica em esforço físico: cozinhar, lavar roupa e louça e manter a própria casa limpa. Um trabalho monótono, desligado do contexto e sem fim. A outra dimensão é de caráter social, em se tratando das mesmas pessoas que se cuidam, se consolam e convivem entre si. Algo difícil de programar com mais rigor, não permitindo limites mais nítidos entre tempo de trabalho e tempo de lazer. Já o trabalho do homem seria estritamente programado. Depois das oito horas de trabalho, pode voltar para casa e iniciar o seu tempo livre a ler jornal do sofá ou a assistir televisão. Como depende de outros, o tempo da mulher depende da disponibilidade dos outros. Além disso, não dá para saber antecipada-mente quando será necessário atender às crianças. Ou quando algo vai ficar sujo. O trabalho do homem é palpável e visível. Mas quem é que pode ver o apoio e o consolo dado pela mulher? Só ao nos tornarmos conscientes da monotonia, da repetição, da solidão e da exploração contida no trabalho doméstico, é que começamos a duvidar das imagens idealizadas do mesmo.
Estamos todos de acordo com o fato de que melhorar as condições de produção é indispensável ao desenvolvimento da sociedade. Mas indispensável, também, é resolver melhor as atividades de reprodução da produção. Algo que diz respeito a todos e não somente às mulheres. Da forma como as coisas são aceitas hoje, como um setor reprodutivo oculto dentro dos limites da moradia, enquanto o setor produtivo se desenvolve lá fora de casa, o caráter privado da vida em família é exposto a enormes tensões. Por um lado tem que enfrentar a crescente especialização, automação e anonimato da divisão social do trabalho, bem como o avanço tecnológico da sociedade e, por outro lado, tem que garantir o próprio desenvolvimento humano da sociedade. Como resolver isso quando da configura-ção dos locais da vida e do trabalho?
O trabalho da mulher na casa, cozinhando e cuidando de filhos, motivou locais de diferentes tipos, conforme a região, ou melhor conforme o tipo de economia da região. Em Minas Gerais a cozinha grande era o principal compartimento da casa. Já no Nordeste era na grande varanda posterior onde se dava o trabalho doméstico. Nas casas senhoriais dos donos de terra e da burguesia compradora, era nítida a diferença entre os lugares dos homens e os lugares das mulheres. Os lugares dos homens davam para a rua ou para a varanda anterior, e eram dotados de janelas. Os das mulheres davam para o quintal ou para o pátio e muitas vezes nem davam para o lado de fora. Isso para não falar no lugar da(s) criada(s) que até hoje são projetados na escala 1:200 junto à entrada de serviço, ou no fundo do quintal.
Com a adoção do funcionalismo passamos a querer um lugar para cada função. Dentro de casa: dormir ═ dormitório; estar juntos ═ estar; assear-se ═ banheiro; cozinhar ═ cozinha etc. Já os espaços entre os nossos prédios tiveram, na maioria dos casos, os seus lugares reduzidos a três funções: bancos para os velhos, caixas de areia para as crianças e pátios e ruas pavimentadas para os carros. Essa reduzida especialização que exclui a vida dos adultos em comum, elimina a possibilidade de formação e desenvolvimento de uma cultura socializada. 
A socialização do trabalho inerente à reprodução das forças produtivas constitui um campo de luta, ensino e pesquisa, no qual as arquitetas mulheres têm uma enorme res-ponsabilidade. Não podemos negar que satisfazer as necessidades das mulheres, quanto      à arquitetura e ao planejamento, também é bom para os homens. Mas soluções que impliquem mudança de comportamento das mulheres implicam, também, mudança de com-portamento dos homens. Teremos que dedicar mais tempo ao trabalho doméstico. E que-remos isso?
Não basta entender o mundo para poder mudá-lo. Mas para transformá-lo é necessário entendê-lo e agir em função de tal entendimento. Exigir melhores soluções para o trabalho doméstico está ligado ao processo de conscientização quanto ao mesmo. Como o trabalho feminino doméstico prima por ser invisível, por não ser percebido pela visão oficial da sociedade por não ser definido com a mesma linguagem com que os políticos definem o mundo, muitas mulheres, também não vêem os seus próprios problemas como seus. Para tornar seu mundo visível é indispensável que as próprias mulheres analisem melhor as suas próprias experiências e formulem os seus próprios problemas, inclusive em termos de arquitetura e urbanismo.
Tão importante como conhecer melhor a problemática do trabalho da habitação é também conhecer os problemas da melhor habitabilidade dos locais do trabalho produtivo. Da mesma forma é importante conhecer as implicações das relações entre os locais da habitação e os locais do trabalho produtivo e os problemas específicos que apresentam para as mulheres. Ou elas não são, porventura, expostas a problemas maiores que os homens no que diz respeito a transportes urbanos? Se os transportes coletivos não são bons, passa a haver necessidade de dois automóveis numa mesma família. E para tanto é necessário dinheiro. Ou então serviçais, e com eles contradições de classe. E para a imensa maioria das famílias que não podem ter um único carro?
È tempo de uma maior contribuição das mulheres à pesquisa de uma melhor habitabilidade de todo o contexto urbano.                    
                 
* Professor titular (aposentado) da FAU-UnB, membro do CDES da Presidência da República. 

terça-feira, 21 de agosto de 2012

PCB apoia a Chapa 88 para a reitoria da UnB


Os professores, técnicos e estudantes comunistas da Universidade de Brasília,
representados pela Base Heron de Alencar do PCB na UnB
apoiam de forma militante a chapa 88 para a reitoria da nossa Universidade.

Base Heron de Alencar
Partido Comunista Brasileiro - PCB

sexta-feira, 27 de julho de 2012

A Universidade pela qual lutam os comunistas


A Universidade pela qual lutam os comunistas: nota da Base Heron de Alencar do PCB sobre as eleições na UnB

A corrida eleitoral para a reitoria da UnB está em pleno curso. O número exagerado de candidatos na disputa revela desde logo que os apetites estão acesos muito embora os projetos de universidade de cada um deles permaneçam, até o  momento, indisponíveis para o debate. Em lugar deles, sobram manifestações de intenções e propostas de gestão sem que antes tenham sido apresentados os entendimentos desses candidatos, daquilo que seria uma universidade pública e seus compromissos com a sociedade. 
O PCB – por intermédio dos comunistas da UnB organizados na Base Heron de Alencar – manifesta a sua posição a fim de contribuir com o processo democrático em nossa universidade. Desde logo nossa intenção clara é a de dialogar com os candidatos do campo progressista a partir de uma proposta de universidade pública, gratuita, laica, popular, democrática e comprometida com a produção de conhecimentos que se voltem para o desenvolvimento e autonomia critica da sociedade brasileira.
Entendemos que a universidade pública não pode pretender estar acima das contradições societárias que a permeiam. Ao contrário, deve deixar claro qual sua posição e com o que ela se compromete. Não cabe dissolver sua natureza no discurso fluído de compromissos com neutralidades. Acreditamos que por essa via a dimensão libertadora da educação nunca se manifestará. Uma universidade pública deve primar pela excelência na produção do conhecimento, mas um conhecimento que proporcione as condições objetivas para a consciência crítica dos indivíduos, um conhecimento que aponte para o desenvolvimento social, econômico e cultural na Nação, um conhecimento que reafirme a soberania dos povos como ponto de partida para um mundo melhor.
Sob esse ponto de vista, nós os comunistas, identificamos em diversas candidaturas já lançadas o traço rançoso do pensamento neoliberal que, como projeto de  classe, mantém-se  vivo e atuante em todos os setores de atividades públicas e privadas. Na UnB não é diferente. Mesmo em candidaturas que no discurso se alinham ao campo progressista é visível: 
1) a defesa da eficiência e eficácia, instrumentos típicos do gerencialismo;
2) a ambiguidade em relação às fundações e suas atividades;
3) a defesa dos modelos produtivistas importados que rebaixam a pesquisa e a educação a posições de mercadorias vulgares;
4)o autoritarismo escamoteado no discurso da sobriedade.
Ou seja, já nas intenções vemos  o compromisso com a manutenção da Universidade nos moldes em que ela se encontra atualmente.
Assim o PCB, representado pelos seus militantes na UnB, entende que nosso diálogo com os candidatos deve, necessariamente, restringir-se aos que não integram o campo neoliberal. Mais ainda, nós comunistas vamos participar da disputa e para isso condicionamos nosso engajamento a uma conversa política previa entre os candidatos do campo progressista e a base do Partido na UnB. 
Nossa intenção é clara: não nos escondermos uma vez que somos força política organizada e representativa na UnB!  Entretanto, essa disposição  ao diálogo não pode ser confundida com tentativa de barganha política. Nosso engajamento na campanha não implica alinhamento e compromissos que não sejam com um programa claro. Em diretas palavras: não nos interessa e nem é condição para nosso apoio, discussões sobre cargos ou vantagens em caso de vitória do candidato apoiado!
Nesse diálogo com os candidatos do campo progressista, algumas pautas específicas da UnB nos são caras:
1) A convocação da estatuinte;
2) A manutenção de flexibilidade de horário dos servidores técnicos-administrativos;
3) A elaboração de editais (ou equivalentes) para a de soluções dos problemas internos da UnB (ex.: segurança), valorizando nossos quadros e a riqueza de nossas competências;
4) A melhoria das condições e das relações de trabalho, por meio de políticas e programas de qualidade de vida no trabalho (de viés contra-hegemônico);
5) Implementação de uma gestão profissionalizante a fim de fazer, aos poucos, extinguir-se a figura do professor-administrador – um grande equivoco das IFES brasileiras;
6) Ampliar o protagonismo político da UnB no Distrito Federal.
Reforçamos, por fim, nosso compromisso com a construção de uma universidade pública e comprometida e que, portanto, o nosso diálogo ficará restrito às candidaturas que partilhem dos mesmo compromisso e que seja simpáticas às pautas específicas por nós defendidas. Com tais candidaturas, tomaremos a iniciativa de estabelecer o diálogo.
Base Heron de Alencar
Partido Comunista Brasileiro


domingo, 22 de julho de 2012

Nota de Apoio da Base Heron de Alencar à Greve da UnB


NOTA OFICIAL DE APOIO À GREVE DOS PROFESSORES, SERVIDORES E ESTUDANTES DA UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA

Nós, professores, estudantes e servidores técnico-administrativos militantes do PCB na UnB envolvidos com a greve reafirmamos a posição do PCB em defesa intransigente do direito de greve que a truculência do governo petista quer violar, e nos posicionamos firmemente na defesa do prosseguimento do movimento até a solução efetiva para nossas reivindicações. Assim reforçamos nosso alinhamento ao conteúdo dos documentos entregues ao MEC e MPOG em defesa da valorização da educação superior no Brasil, em defesa de uma carreira digna para professores e servidores das universidades e institutos federais e por uma educação de qualidade.
Somos radicalmente contrários a intenção do governo de repassar a conta da crise internacional ao trabalhador, quando sabemos o quanto este mesmo governo gasta dos fundos públicos para manutenção dos interesses do capital, principalmente com os juros da dívida e para com os desatinos rentistas do capital financeiro internacional.

Sendo assim repudiamos:
1) Toda e qualquer iniciativa do governo no sentido de punir os trabalhadores em greve (cortando o ponto de seus dias parados, por exemplo!) quando o próprio governo insiste em não negociar a pauta do ANDES há mais de um ano, e sistematicamente vem desmarcando unilateralmente e sem justificativas as audiências de negociação.
2) Toda e qualquer tentativa de culpabilizar os trabalhadores do setor pela greve quando, na verdade, cabe ao governo a irresponsabilidade de não reconhecer os direitos sociais propostos pelas entidades de classe há muito tempo aguardando manifestação oficial das autoridades competentes.
3) As falaciosas tentativas de confundir a opinião pública colocando na sombra as mazelas do REUNI que tem transformado os campi universitários em um paiol de pólvora da degradação das condições de trabalho e do sobretrabalho, ocupando espaço nas coletivas oficiais de imprensa para enaltecer as fachadas dessas obras sem o equivalente de investimento em pessoal de apoio indispensável à real execução das atividades de ensino, pesquisa e extensão de qualidade nesses empreendimentos.
4) Exigimos negociação imediata e o fim da abjeta prática de truculência política do atual governo.

Base Heron de Alencar - UnB 

PCB – Partido Comunista Brasileiro

sábado, 30 de junho de 2012

A greve e a democracia virtual

Mais uma contribuição do Camarada Frank Svensson ao Blog da Heron, texto do Prof. Mauro Iasi da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Prof. Mauro Iasi - UFRJ
No contexto da greve nacional dos professores tem se manifestado um debate no mínimo curioso. Um certo sindicalismo que é a reapresentação grotesca do velho sindicato ministerialista da época de Getúlio Vargas, tem apresentado o argumento que a greve não é um instrumento legítimo de luta e que as assembleias que estão na base de sua deflagração não são “representativas”, colocando como alternativa a consulta eletrônica e os plebiscitos.

Tal argumento ignora, oportunamente, o fato de que esta greve tem uma dinâmica própria e, em vários aspectos, distinta das outras experiências grevistas vivenciadas pelos professores federais e que foram responsáveis por inúmeras conquistas e importantes resistências. Já começou bastante forte em 33 universidades e rapidamente ganhou a adesão de mais de cinquenta universidades e instituições de ensino.

Sua principal razão de ser pode ser encontrada nas trapalhadas do governo na condução das discussões entorno da carreira docente, mas fundamentalmente nas condições de trabalho que resultaram da proposta de expansão materializada no REUNI. Nossa última grande greve foi em 2001 e ninguém pode acusar, portanto, o ANDES-SN de não estar dispostos ao diálogo, como demonstra a boa vontade de nossa entidade durante todo o ano de 2011 na verdadeira comédia de erros que o Ministério do Planejamento protagonizou.

Diante do fato inquestionável da greve e de seus motivos, vendo as universidades aderirem ao movimento mesmo naquelas unidades onde esse sindicalismo neo-conservador tentou por todos os meios impedi-lo, esses senhores lançam mão de um argumento que busca deslegitimar o movimento, ou seja, ele seria resultado da ação de uma minoria (no caso da UFRJ, um dos dirigentes do sindicalismo ministerialista não hesita em classificar os dirigentes e grevistas como uma “militância paga”) que em assembleias pouco representativas imporiam a greve à uma maioria que seria contra.

Pierre Bourdieu afirmou certa vez que o que há de específico no campo da política é a disputa pelo silêncio dos “profanos”, desta forma esses senhores se consideram os porta-vozes daqueles que em silêncio e ausência estão contra a greve, mas não dizem, enquanto os grevistas seriam aqueles que reivindicam este silêncio como concordância. O problema, portanto, passa a ser como averiguar estas suposições. Enquanto o movimento docente, como base em uma experiência construída em mais de trinta anos de resistência, luta e militância, procura realizar isso através de reuniões de unidade, seminários, materiais impressos e digitais, que levem ao conjunto dos professores os elementos para que estes possam formar suas convicções para que em assembleias enfrentem as alternativas e decidam pelos caminhos que devem trilhar; nossos senhores do sindicalismo oficialista insistem que o mais democrático seria uma consulta eletrônica na qual os professores deveriam dizer sim ou não à greve. Leia mais no Blog da Boitempo.

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Revolução versus Reforma


Prof. Frank Svensson* - UnB
A ideia de revolução como meio de emancipação política não é uma invenção de Marx ou de marxistas. Inicialmente se viu como a volta às origens do desenvolvimento, a ré evolução análoga à circularidade do movimento dos astros.
Na Antiguidade, o conceito de revolução caracteriza o processo em que se sucedem as formas de Estado. Na revolução inglesa derrubam-se governantes, e na francesa o conceito associa-se ao de emancipação, por ser o levantamento das massas que substitui governantes e muda regras básicas de governar e de viver.

Marx e marxistas são filhos da revolução republicana francesa, defensora de instituições públicas laicas e do pacto federativo, ideário do Brasil-Republicano inicial. A vitória da maioria do povo sobre a minoria reinante - e a implantação de nova forma de sociedade - origina-se aí. Difere lutar por revolução socialista ou por revolução burguesa. Questão central é formar a nova maioria. As teorias político-econômicas de Marx evidenciaram o forçoso crescimento do proletariado, ao passar de classe em si a classe para si. O marxismo aclarou aos revolucionários a classe social em que o desenvolvimento torná-la-ia a mais numerosa. Se a burguesia considerasse a classe a mais perigosa, mais instigante seria aos revolucionários. A maior contribuição de Marx à teoria e à estratégia republicana foi vincular o proletariado à revolução socialista.

Por que Marx vê a classe trabalhadora como coveira na sociedade capitalista-burguesa? Reconhece o trabalho assalariado, gerador de mais-valia, base da sociedade capitalista, do consumo e da acumulação de capital.
Mostra que os trabalhadores sustentam toda a sociedade, porém ficam excluídos da superestrutura, do controle do trabalho, dos resultados, das decisões e ideologias dominantes.
A estratégia socialista real inicia-se neste contraditório duplo papel dos proletários, revolucionários simultaneamente expostos à socialização pelo capital. Precisam ser ressocializados para imporem um modelo de sociedade, explica-se Marx ao dar a conhecer a relação capital x trabalho assalariado aos trabalhadores. Era o objetivo revolucionário-mor por que lutava: abolir essa relação. Quis fazer com que o objetivo nascesse do proletariado.

A ação recíproca da organização do proletariado requer compreensão científica da sociedade burguesa, de sua economia, para haver a revolução socialista. Configura-se o empenho irrestrito da formação teórico-política de trabalhadores da produção material e da produção espiritual a seu serviço. Da ambivalência da estratégia, Marx compreendia as reformas burguesas. Não era contrário a melhores condições de trabalho e vida por reformas, mas conquistadas por meio das lutas de classe que trabalhadores empreendessem. Marx pregava que a via pacífica parlamentar, à luz das lutas de classe, eliminava-as. Reconhecia, nações poderiam alcançar o objetivo pacificamente, a depender do avanço progressista do Estado, das instituições.

Ver a violência revolucionária desligada da correlação das forças das classes em enfrentamento é voluntarismo idealista. Estimula ao caracterizado por Lênin como política amiga do povo e de pena dos pobres.  A classe trabalhadora deve valer-se das instituições existentes, entre as quais o parlamento é a arena de luta, que Karl Marx salientava ao se contrapor a anarquistas. Marcava que a transição para o socialismo implica emancipar o trabalho, mudar o papel do Estado na transformação social.

Na crítica aos participantes da Comuna de Paris aponta:
a) O proletariado não pode, como fazem as classes dominantes, apoderar-se do Estado e fazê-lo funcionar simplesmente conforme os propósitos das mesmas.
b) O Estado Burguês não pode servir de instrumento político à emancipação e à concomitante opressão a trabalhadores.
c) O marxismo reconhece ser a Comuna de Paris prenúncio de nova sociedade, à medida que nega a antiga forma de Estado.
A questão é como trabalhadores conquistarão o Estado, que após socializarem-se meios de produção desaparece. Na obra A Origem da Família, do Estado e da Propriedade Privada, Engels sustenta que a mais desenvolta forma de Estado é a República Democrática, última e decisiva etapa a se desenrolar da luta trabalhadores x burguesia. O amplo direito ao voto constitui o instrumento superior da luta política, apesar da classe dominante detê-lo por vias do domínio, até quando trabalhadores amadurecerem sua própria emancipação.
É típico do reformista querer alcançar o socialismo sem teoria revolucionária. Partidos reformistas reduzem a luta à conquista e à manutenção do poder sem deliberarem transformar o Estado para a sociedade sem classes. Limitam-se a manter conquistas trabalhistas que não superam a Sociedade do Bem-Estar. Pretensão a uma forma de socialismo inserida no capitalismo é o entendimento dominante dos reformistas.

Para Marx, o exercício democrático é a precondição para se eliminar a sociedade de classes. É forma política que possibilita a trabalhadores, a quem produz mais-valia, constituir a maioria da sociedade. Para liquidar as desigualdades da sociedade capitalista não basta ao proletariado ser maioria. Necessita realizar sua emancipação, ter sob total domínio os resquícios da sociedade de classes.
Na luta para mudar o Estado e emancipar trabalhadores reside o caráter revolucionário não reformista, independentemente do que as particularidades históricas impõem à disputa.

*Frank A. E. Svensson
Professor Titular – FAU UnB
Membro do CC do PCB
Brasília 12.01.2009

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Considerações e Autocrítica de Heron de Alencar


Prof.ª Carla Patrícia Santana - Uneb
Texto oferecido ao Blog da Base Heron de Alencar do PCB na UnB, pela Prof.ª Dr.ª Carla Patrícia Santana, da Universidade Estadual da Bahia (Uneb), sobre Heron de Alencar.

Agradecemos à Professora.
Saudações Comunistas.

O texto pode ser acessado no linque abaixo:

sexta-feira, 1 de junho de 2012

Uma greve em defesa da Universidade Pública: pela carreira docente, por salários e por melhores condições de trabalho

O Partido Comunista Brasileiro apóia, de forma militante, a Greve Nacional dos docentes das IFES deflagrada pelo ANDES-SN desde o dia 17 de maio. A greve, que hoje conta com a adesão de mais de 42 Universidades, é produto direto da intransigência do governo Dilma, que se recusa a negociar de maneira séria e responsável o projeto de carreira apresentado pelo Andes há mais de um ano. Leia mais no site do Partidão.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

O Admirável Mundo Novo dos Megaeventos Esportivos - Pedro Athayde


Em 1931, Aldous Huxley escreveu o livro Admirável Mundo Novo (Brave New World). A história descreve uma sociedade futurista, na qual os indivíduos são completamente condicionados biológica e psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, sob um sistema científico de castas. 
Nesta sociedade qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos são dissipadas pela ingestão de uma droga sem efeitos colaterais aparentes, chamada "soma", evitando assim qualquer tipo de deturpação social como consequência de uma revolta popular. Um efêmero olhar é capaz de nos demonstrar grandes diferenças entre a sociedade atual e o admirável mundo novo de Aldous Huxley. Todavia, é bastante perceptível uma semelhança entre ambos, falamos da intrínseca vontade dos governantes de dominar os anseios populares e silenciar as reivindicações sociais. 
No Brasil existem muitas formas de domesticar e manipular as consciências da população. Entre os diferentes entorpecentes historicamente utilizados pelos governantes brasileiros, destaca-se o esporte.
O esporte que, desde a década de 1930, aparece vinculado aos governos nacionais pela sua dimensão sócio-política, recentemente, ganha maior relevância por seu potencial econômico. A expressão dessa enorme aptidão econômica é verificada pelas extraordinárias cifras que permeiam a indústria esportiva. 
Algumas das empresas desse ramo são reconhecidas no mundo corporativo como grandes exemplos de sucesso e rentabilidade. Ao mesmo tempo, são constantemente denunciadas pelas degradantes condições de trabalho impostas em regiões periféricas do mundo.
Em 1984, quando os organizadores das Olimpíadas de Los Angeles anunciaram um lucro de US$ 220 milhões, os olhos ávidos do mercado se voltaram imediatamente para a potencialidade econômica deste evento esportivo. A voracidade da iniciativa privada fez com que os Jogos Olímpicos se agigantassem e extrapolassem os contratos corporativos que o regiam. 
A partir de então, o Estadoprecisaria entrar na jogada e deveria garantir a realização de investimentos na infraestrutura urbana e esportivacom o intuito de capacitar a cidade sede a abrigar os Jogos. Não é preciso muita perspicácia para ver quais são os grandes beneficiados com essa forma de gestão.
Eddie Cottle, sul-africano que publicou o livro South Africa’s World Cup: A Legacy For Whom? (Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?), desmistifica uma série de promessas feitas em relação aos legados da Copa de 2010. Para o autor, as copas do mundo são veículos para a acumulação de capital privado em uma escala global, em que a Fifa atua como facilitadora.
A cada coluna levantada, a cada arquibancada construída, a cada favela “pacificada” em território brasileiro, verificamos a tese de Cottle se confirmando. A Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 revelam-se como grandes estratégias governamentais para alavancar sua política econômica e externa.
Na política econômica, os Megaeventos Esportivos são um braço forte do projeto liberal-desenvolvimentista, herdado por Dilma. O governo prioriza investimentos que favorecem em larga escala o enriquecimento das frações de classe da burguesia nacional, acreditando num possível retorno na forma de aquecimento da economia pela via do aumento do consumo e turismo.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro buscar concretizar seu reposicionamento na geopolítica internacional e sua posição hegemônica (imperialista) na América do Sul utilizando-se tambémdos grandes eventos esportivos.Espera-se que dessa forma o Brasil consiga postular um lugar privilegiado nas instâncias decisórias dos organismos internacionaise tenha uma voz proeminente no debate macroeconômico. 
No elo mais frágil dessa conjuntura encontram-se os trabalhadores e a população brasileira, lembrados durante a campanha brasileira a sede dos Megaeventos e explorados nas exaustivas jornadas de trabalho para construção dos estádios e espaços esportivos, correm o risco de cair no esquecimento quando a bola rolar. 
Para não incorremos no alerta de Eric Hobsbawn, ou seja, de aprendemos a tolerar o intolerável, é imprescindível retomarmos os dizeres finais de Marx e Engels, no Manifesto Comunista: Trabalhadores e cidadãos brasileiros, uni-vos!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A História da UnB - Frank Svensson [2008]


Passei por Brasília em 1958 como estudante de arquitetura da EAUMG fazendo parte de um grupo de estagiários encarregados do levantamento patrimonial de Pirenópolis. Empolgado, voltei em todas os períodos de férias de fim de ano do meu curso, como estagiário do escritório dirigido por Oscar Niemeyer então situado junto ao Palace Hotel.
Eu já exercia uma militância político partidária a qual nunca abandonei. Desde então considero a ideologia da não ideologia uma ideologia de direita, alienada e conservadora. Convidado pelo amigo Geraldo Joffily diretor nacional do Juizado de Menores participei de algumas reuniões onde inclusive se discutia o projeto de uma universidade para Brasília. Em uma delas participou Luis Carlos Prestes.
Não me lembro se em 1962 ou 1963 o professor Edgard Graeff de saudosa memória proferiu a primeira aula inaugural da UNB à sombra de uma das árvores situadas entre o que hoje é a sede do CEPLAN e o Auditório do Departamento de MÚSICA. Não estive presente. Já graduado, havia aceitado um convite para trabalhar na SUDENE de Celso Furtado. Por meio de colegas e camaradas, no entanto, sempre me mantive informado sobre os destinos da UNB. Mais tarde ausente involuntariamente do Brasil na Argélia, trabalhando numa equipe dirigida por Darci Ribeiro, tive acesso a uma cópia do original do projeto elaborado por seus fundadores.
Vivíamos no Brasil um momento que eu caracterizaria como de salto histórico. A política que se queria era de terceira via, o binômio Energia e Estradas, a criação da SUDENE, dos organismos de Planejamento Regional e do Ministério de Planejamento Nacional, bem como o surgimento da nova capital como referência para a reforma urbana do país, e da UNB para a reforma universitária, eram viva expressão disso.
Características do projeto da UNB
Entre os que participaram da formulação do projeto da UNB estavam nomes como Anísio Teixeira, Heron de Alencar, Samuel Goldenberg, Leite Lopes e outros intelectuais progressistas. Ante a necessidade de um primeiro reitor lembrou-se do nome de Darcy Ribeiro.
Resultou um projeto progressista. Para ser aceito como professor da nova universidade era mérito ter militância político partidária, ser engajado na perspectiva de emancipação da nação brasileira. O projeto tinha três metas principais: 1) Ser uma instituição produtora de conhecimento com base científica; 2)Ser um centro de excelência comparável às melhores universidades dos países altamente industrializados; 3)Orientar sua produção à solução dos problemas candentes do pais.
A esquerda existente ainda tinha muito de positivista, mas era defensora dos princípios republicanos e assim de um serviço público e laico. Caracterizava-se pelo pensamento objetivo crítico, o que ocasionava intensa luta pelas almas entre militantes da mesma e os defensores do pensamento humanista católico neojesuíta. Em decorrência havia sido criado, a partir da Juventude Universitária Católica e com a assessoria de professores da Universidade de Louvain na Bélgica, uma federação de militância política denominada Ação Popular. Além desta e dos estudantes do PCB marxista-leninista surgiu uma terceira organização por nome POLOP, Política Popular com conotações terceiro-mundistas e neotrotskistas. Apesar de divergências de visão de mundo as decisões dessas organizações entre si em favor da UNB eram sempre decisões de frente ampla, decisões de consenso. Havia também militantes das Juventudes do PTB e do PSD.
Formação de professores e alunos
Uma das grandes preocupações era a formação de novos professores para um novo tipo de aprendizado. No turno da manhã funcionavam os cursos de pós-graduação em torno dos poucos professores inicialmente contratados. As aulas ministradas pela manhã eram depois repetidas à tarde para os graduandos por meio dos pós-graduandos sob forma de monitores.
A universidade era composta de cinco grandes institutos como entidades máximas responsáveis pela gestão de variadas formas de produção de conhecimento. Correspondiam a cinco grandes agrupamentos das formas de prática e conhecimento humano: Ciências da Terra; Ciências Humanas; Ciências Exatas; Ciências da Saúde e Artes. Dentro dos institutos havia faculdades em correspondência às profissões estabelecidas no país.
Os dois primeiros anos dos cursos profissionalizantes constavam de cursos básicos de formação oferecidos respectivamente por cada um dos cinco institutos. Só depois o aluno comporia de forma orientada o seu próprio currículo de formação profissional. Deveria ao fim de seu curso ter obtido um mínimo de 240 créditos dos quais a metade em matérias oferecidas na faculdade correspondente. A outra metade dos créditos seriam obtidos de forma orientada em matérias oferecidas no restante da universidade.
Já no início dos anos 1970 surgiu a possibilidade de trabalhos de conclusão de curso inter-disciplinares. O objeto considerado era comum a alunos de distintas faculdades, sendo a avaliação do trabalho final feita nas faculdades de per se.
Para cada instituto era previsto um centro interdisciplinar de pesquisa e planejamento com possibilidade de captar recursos através da solução de problemas práticos da vida ativa desde que ainda não resolvidos pelas forças de mercado. Desta forma surgiriam informações importantes oriundas da solução dos problemas candentes do país para o próprio plano pedagógico da UNB.
Como hospital universitário funcionou durante vários anos o Hospital de Sobradinho. Em Planaltina foi fundada uma escola para as profissões de nível médio para o trabalho na área rural.
Paralelamente aos Institutos instituiu-se uma Faculdade de Educação para formação de professores visando o ensino básico do Distrito Federal. Ligado a esta faculdade funcionava um ginásio experimental para treinamento de professores da Faculdade e formação de alunos do ensino médio, o CIEM.
A UNB como universidade da capital do país foi pensada como de caráter regional. Nesse sentido foram previstos campi avançados sendo o mais efetivo o de Aragarças que atendia também a população indígena da ilha do Bananal.
No início a UNB não adotou uma estrutura departamental. Era composta de grupos de trabalho visando a solução de problemas concretos cujas constatações alimentavam o plano pedagógico dos cursos de formação profissional.
Alterações do Projeto inicial da UNB
Com o advento do governo militar no país em 1964 a UNB foi considerada reduto de subversivos.
Afastado involuntariamente, por motivos políticos, do país por 16 anos não estive presente aos acontecimentos na UNB entre 1972-1989 não devendo incidir em detalhes a respeito. Outros sabem fazê-lo com muito mais precisão. O que eu sei dizer é que ante a reação dos novos professores proclamando uma greve geral em 1965 os militantes do PCB, em minoria face às outras organizações políticas, ponderaram estar-se entregando o ouro ao bandido. Supunha-se que o governo não poderia fazer funcionar a universidade e assim recuaria, mas não foi o que ocorreu. Resultou numa caça aos professores e alunos militantes de esquerda e o governo passou a preencher os cargos com pessoas fieis ao regime militar. Valeu-se até de jovens norte-americanos do Peacecorp daquele país, apresentados por sua Aliança para o Progresso.
Durante o regime militar a UNB manteve em boa parte sua estrutura funcional. Enviou inúmeros bolsistas para os países do chamado 1° mundo no intuito de se pós-graduarem. Como o enfoque de problemas candentes do Brasil passava pelo filtro ideológico do regime, as fontes financiadoras o faziam segundo o gosto do regime e a vontade do bolsista, sem participação em nenhuma política coordenada de pesquisa. No meu entender foi a primeira medida de desmantelamento do projeto inicial da UNB quanto a seu conteúdo.
O estágio no exterior permitia ao bolsista adquirir um considerável registro de comparações, assim como, vivenciar a realidade de algum país altamente industrializado. Geralmente nalguma universidade muito bem equipada e com amplos recursos para seu funcionamento. Para a grande maioria isso ofuscava o esclerosamento nesses países de muitos hábitos herdados da origem medieval e das imperfeições das medidas de sua superação. Para enfrentar a carga nobiliárquica da cátedra vitalícia, por exemplo, haviam surgido ali as estruturas departamentais. Algo que o projeto da UNB superara por força de país novo. O projeto da UNB havia substituído a estrutura de departamentos por uma estrutura de grupos de trabalho interdisciplinares com base na solução de problemas concretos.
Sendo as soluções dos problemas candentes geralmente vistas como de caráter subversivo, restava ao bolsista retornado construir uma disciplina segundo o tema de sua pós-graduação e limitar-se a uma prática de sua teoria pondo um pé no mercado externo à academia e ficar dividido quanto a sua dedicação exclusiva. A universidade viu-se povoada de disciplinas desconexas entre si e desligadas de sua aplicação prática.
Como o interesse pelas experiências concretas dos paises em busca do socialismo foi excluído da universidade, restaram duas tendências dominantes de visão de mundo, o que até hoje caracteriza a composição ideológica da UNB: o neojesuitismo e o social-darwinismo. Expressão flagrante disso foi a recente eleição para a ADUNB-UNB. Duas chapas com fortes raízes no humanismo católico, amigo do povo e com pena dos pobres, e uma chapa marcada pelo pragmatismo republicano defensor da causa pública e laica. Ambas acreditando que basta melhorar o capitalismo segundo os respectivos princípios dessas tendências, para se alcançar uma sociedade justa e fraterna. Como nenhuma das duas incorpora a busca do conhecimento da transformação e das mudanças da realidade através do pensamento objetivo crítico, mostram-se débeis na resistência ao favoritismo e a corrupção hoje enfrentada pela UNB.
O advento das idéias neoliberais e da globalização capitalista no fim do século XX teve fortes reflexos na UNB. De início sorrateiramente para depois ser defendido abertamente passaram a ser vistos como melhores professores aqueles capazes de captar recursos financeiros externos à universidade. O corpo de engenheiros é dentre os profissionais liberais o que historicamente mais se adestrou na fundação de fabricas e empresas de construção. Não é por acaso que a principal instituição captadora de recursos veio a ser a FINATEC por iniciativa da Faculdade de Engenharia.
A UNB passou a se caracterizar, portanto, por uma fundamental contradição ideológica, bem como, por um acentuado comportamento individualista. Comportamento que abriu as portas da universidade ao capital financeiro e a distorção da produção de conhecimento em produção de capital. Só faltou tornar-se acionária com participação na Bolsa de Valores.
A possibilidade da negação da negação
Hoje a UNB vive um novo momento histórico que pode ser caracterizado como um salto histórico. Isso me faz recordar uma explicação dada pelo professor Edgard Graeff quando no inicio da UNB lhe foi perguntado por alunos o que e como era essa lei da História. Professor Graeff o era de História e Teoria da Arquitetura. Dizia ele: No início os homens viviam livres na natureza, eram donos da paisagem e do horizonte. Depois com a produção de excedentes surgiram as feiras como pontos de troca e posteriormente as cidades com suas praças e mercados. A liberdade inicial foi negada por um novo tipo de assentamento que necessitava proteger-se contra a usura e cobiça de outros assentamentos e donos de terra. As cidades frequentemente resultaram fortificadas e de conteúdo exíguo e comprimido. Hoje estamos em vias de uma nova formação social; ferramentas modernas e novos meios de produção passam a exigir assentamentos de outra grandeza. Escala, proporção e fluidez espacial necessitam ser de novo tipo como estamos considerando com o plano de Brasília.
Esta negação da primeira negação nos permitirá também recuperar valores perdidos a partir da primeira negação. É por isso que estamos elevando os prédios de apartamentos sobre pilotis. Os habitantes de Brasília poderão percorrer o terreno com toda liberdade e apropriarem-se de sua paisagem, bem como, de seu horizonte.
Esse modesto exemplo serve também para a UNB. Neste segundo salto histórico que eclodiu por iniciativa dos estudantes; por uma mocidade ávida e entusiasta, é possível recuperar valores e hábitos perdidos e abandonados à partir do primeiro salto histórico: o contraditório na compreensão da realidade e os mecanismos de interação e ação recíproca necessários à intervenção na mesma. Não se trata de repetir particularidades. Isso seria ortodoxia. Mas de recuperar conquistas essenciais como referências históricas e cognitivas.
(Publicado originalmente em http://unblivre.blogspot.com.br, em 25 de maio de 2008).