quinta-feira, 31 de maio de 2012

O Admirável Mundo Novo dos Megaeventos Esportivos - Pedro Athayde


Em 1931, Aldous Huxley escreveu o livro Admirável Mundo Novo (Brave New World). A história descreve uma sociedade futurista, na qual os indivíduos são completamente condicionados biológica e psicologicamente a viverem em harmonia com as leis e regras sociais, sob um sistema científico de castas. 
Nesta sociedade qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos são dissipadas pela ingestão de uma droga sem efeitos colaterais aparentes, chamada "soma", evitando assim qualquer tipo de deturpação social como consequência de uma revolta popular. Um efêmero olhar é capaz de nos demonstrar grandes diferenças entre a sociedade atual e o admirável mundo novo de Aldous Huxley. Todavia, é bastante perceptível uma semelhança entre ambos, falamos da intrínseca vontade dos governantes de dominar os anseios populares e silenciar as reivindicações sociais. 
No Brasil existem muitas formas de domesticar e manipular as consciências da população. Entre os diferentes entorpecentes historicamente utilizados pelos governantes brasileiros, destaca-se o esporte.
O esporte que, desde a década de 1930, aparece vinculado aos governos nacionais pela sua dimensão sócio-política, recentemente, ganha maior relevância por seu potencial econômico. A expressão dessa enorme aptidão econômica é verificada pelas extraordinárias cifras que permeiam a indústria esportiva. 
Algumas das empresas desse ramo são reconhecidas no mundo corporativo como grandes exemplos de sucesso e rentabilidade. Ao mesmo tempo, são constantemente denunciadas pelas degradantes condições de trabalho impostas em regiões periféricas do mundo.
Em 1984, quando os organizadores das Olimpíadas de Los Angeles anunciaram um lucro de US$ 220 milhões, os olhos ávidos do mercado se voltaram imediatamente para a potencialidade econômica deste evento esportivo. A voracidade da iniciativa privada fez com que os Jogos Olímpicos se agigantassem e extrapolassem os contratos corporativos que o regiam. 
A partir de então, o Estadoprecisaria entrar na jogada e deveria garantir a realização de investimentos na infraestrutura urbana e esportivacom o intuito de capacitar a cidade sede a abrigar os Jogos. Não é preciso muita perspicácia para ver quais são os grandes beneficiados com essa forma de gestão.
Eddie Cottle, sul-africano que publicou o livro South Africa’s World Cup: A Legacy For Whom? (Copa do Mundo da África do Sul: um legado para quem?), desmistifica uma série de promessas feitas em relação aos legados da Copa de 2010. Para o autor, as copas do mundo são veículos para a acumulação de capital privado em uma escala global, em que a Fifa atua como facilitadora.
A cada coluna levantada, a cada arquibancada construída, a cada favela “pacificada” em território brasileiro, verificamos a tese de Cottle se confirmando. A Copa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016 revelam-se como grandes estratégias governamentais para alavancar sua política econômica e externa.
Na política econômica, os Megaeventos Esportivos são um braço forte do projeto liberal-desenvolvimentista, herdado por Dilma. O governo prioriza investimentos que favorecem em larga escala o enriquecimento das frações de classe da burguesia nacional, acreditando num possível retorno na forma de aquecimento da economia pela via do aumento do consumo e turismo.
Ao mesmo tempo, o governo brasileiro buscar concretizar seu reposicionamento na geopolítica internacional e sua posição hegemônica (imperialista) na América do Sul utilizando-se tambémdos grandes eventos esportivos.Espera-se que dessa forma o Brasil consiga postular um lugar privilegiado nas instâncias decisórias dos organismos internacionaise tenha uma voz proeminente no debate macroeconômico. 
No elo mais frágil dessa conjuntura encontram-se os trabalhadores e a população brasileira, lembrados durante a campanha brasileira a sede dos Megaeventos e explorados nas exaustivas jornadas de trabalho para construção dos estádios e espaços esportivos, correm o risco de cair no esquecimento quando a bola rolar. 
Para não incorremos no alerta de Eric Hobsbawn, ou seja, de aprendemos a tolerar o intolerável, é imprescindível retomarmos os dizeres finais de Marx e Engels, no Manifesto Comunista: Trabalhadores e cidadãos brasileiros, uni-vos!

quinta-feira, 17 de maio de 2012

A História da UnB - Frank Svensson [2008]


Passei por Brasília em 1958 como estudante de arquitetura da EAUMG fazendo parte de um grupo de estagiários encarregados do levantamento patrimonial de Pirenópolis. Empolgado, voltei em todas os períodos de férias de fim de ano do meu curso, como estagiário do escritório dirigido por Oscar Niemeyer então situado junto ao Palace Hotel.
Eu já exercia uma militância político partidária a qual nunca abandonei. Desde então considero a ideologia da não ideologia uma ideologia de direita, alienada e conservadora. Convidado pelo amigo Geraldo Joffily diretor nacional do Juizado de Menores participei de algumas reuniões onde inclusive se discutia o projeto de uma universidade para Brasília. Em uma delas participou Luis Carlos Prestes.
Não me lembro se em 1962 ou 1963 o professor Edgard Graeff de saudosa memória proferiu a primeira aula inaugural da UNB à sombra de uma das árvores situadas entre o que hoje é a sede do CEPLAN e o Auditório do Departamento de MÚSICA. Não estive presente. Já graduado, havia aceitado um convite para trabalhar na SUDENE de Celso Furtado. Por meio de colegas e camaradas, no entanto, sempre me mantive informado sobre os destinos da UNB. Mais tarde ausente involuntariamente do Brasil na Argélia, trabalhando numa equipe dirigida por Darci Ribeiro, tive acesso a uma cópia do original do projeto elaborado por seus fundadores.
Vivíamos no Brasil um momento que eu caracterizaria como de salto histórico. A política que se queria era de terceira via, o binômio Energia e Estradas, a criação da SUDENE, dos organismos de Planejamento Regional e do Ministério de Planejamento Nacional, bem como o surgimento da nova capital como referência para a reforma urbana do país, e da UNB para a reforma universitária, eram viva expressão disso.
Características do projeto da UNB
Entre os que participaram da formulação do projeto da UNB estavam nomes como Anísio Teixeira, Heron de Alencar, Samuel Goldenberg, Leite Lopes e outros intelectuais progressistas. Ante a necessidade de um primeiro reitor lembrou-se do nome de Darcy Ribeiro.
Resultou um projeto progressista. Para ser aceito como professor da nova universidade era mérito ter militância político partidária, ser engajado na perspectiva de emancipação da nação brasileira. O projeto tinha três metas principais: 1) Ser uma instituição produtora de conhecimento com base científica; 2)Ser um centro de excelência comparável às melhores universidades dos países altamente industrializados; 3)Orientar sua produção à solução dos problemas candentes do pais.
A esquerda existente ainda tinha muito de positivista, mas era defensora dos princípios republicanos e assim de um serviço público e laico. Caracterizava-se pelo pensamento objetivo crítico, o que ocasionava intensa luta pelas almas entre militantes da mesma e os defensores do pensamento humanista católico neojesuíta. Em decorrência havia sido criado, a partir da Juventude Universitária Católica e com a assessoria de professores da Universidade de Louvain na Bélgica, uma federação de militância política denominada Ação Popular. Além desta e dos estudantes do PCB marxista-leninista surgiu uma terceira organização por nome POLOP, Política Popular com conotações terceiro-mundistas e neotrotskistas. Apesar de divergências de visão de mundo as decisões dessas organizações entre si em favor da UNB eram sempre decisões de frente ampla, decisões de consenso. Havia também militantes das Juventudes do PTB e do PSD.
Formação de professores e alunos
Uma das grandes preocupações era a formação de novos professores para um novo tipo de aprendizado. No turno da manhã funcionavam os cursos de pós-graduação em torno dos poucos professores inicialmente contratados. As aulas ministradas pela manhã eram depois repetidas à tarde para os graduandos por meio dos pós-graduandos sob forma de monitores.
A universidade era composta de cinco grandes institutos como entidades máximas responsáveis pela gestão de variadas formas de produção de conhecimento. Correspondiam a cinco grandes agrupamentos das formas de prática e conhecimento humano: Ciências da Terra; Ciências Humanas; Ciências Exatas; Ciências da Saúde e Artes. Dentro dos institutos havia faculdades em correspondência às profissões estabelecidas no país.
Os dois primeiros anos dos cursos profissionalizantes constavam de cursos básicos de formação oferecidos respectivamente por cada um dos cinco institutos. Só depois o aluno comporia de forma orientada o seu próprio currículo de formação profissional. Deveria ao fim de seu curso ter obtido um mínimo de 240 créditos dos quais a metade em matérias oferecidas na faculdade correspondente. A outra metade dos créditos seriam obtidos de forma orientada em matérias oferecidas no restante da universidade.
Já no início dos anos 1970 surgiu a possibilidade de trabalhos de conclusão de curso inter-disciplinares. O objeto considerado era comum a alunos de distintas faculdades, sendo a avaliação do trabalho final feita nas faculdades de per se.
Para cada instituto era previsto um centro interdisciplinar de pesquisa e planejamento com possibilidade de captar recursos através da solução de problemas práticos da vida ativa desde que ainda não resolvidos pelas forças de mercado. Desta forma surgiriam informações importantes oriundas da solução dos problemas candentes do país para o próprio plano pedagógico da UNB.
Como hospital universitário funcionou durante vários anos o Hospital de Sobradinho. Em Planaltina foi fundada uma escola para as profissões de nível médio para o trabalho na área rural.
Paralelamente aos Institutos instituiu-se uma Faculdade de Educação para formação de professores visando o ensino básico do Distrito Federal. Ligado a esta faculdade funcionava um ginásio experimental para treinamento de professores da Faculdade e formação de alunos do ensino médio, o CIEM.
A UNB como universidade da capital do país foi pensada como de caráter regional. Nesse sentido foram previstos campi avançados sendo o mais efetivo o de Aragarças que atendia também a população indígena da ilha do Bananal.
No início a UNB não adotou uma estrutura departamental. Era composta de grupos de trabalho visando a solução de problemas concretos cujas constatações alimentavam o plano pedagógico dos cursos de formação profissional.
Alterações do Projeto inicial da UNB
Com o advento do governo militar no país em 1964 a UNB foi considerada reduto de subversivos.
Afastado involuntariamente, por motivos políticos, do país por 16 anos não estive presente aos acontecimentos na UNB entre 1972-1989 não devendo incidir em detalhes a respeito. Outros sabem fazê-lo com muito mais precisão. O que eu sei dizer é que ante a reação dos novos professores proclamando uma greve geral em 1965 os militantes do PCB, em minoria face às outras organizações políticas, ponderaram estar-se entregando o ouro ao bandido. Supunha-se que o governo não poderia fazer funcionar a universidade e assim recuaria, mas não foi o que ocorreu. Resultou numa caça aos professores e alunos militantes de esquerda e o governo passou a preencher os cargos com pessoas fieis ao regime militar. Valeu-se até de jovens norte-americanos do Peacecorp daquele país, apresentados por sua Aliança para o Progresso.
Durante o regime militar a UNB manteve em boa parte sua estrutura funcional. Enviou inúmeros bolsistas para os países do chamado 1° mundo no intuito de se pós-graduarem. Como o enfoque de problemas candentes do Brasil passava pelo filtro ideológico do regime, as fontes financiadoras o faziam segundo o gosto do regime e a vontade do bolsista, sem participação em nenhuma política coordenada de pesquisa. No meu entender foi a primeira medida de desmantelamento do projeto inicial da UNB quanto a seu conteúdo.
O estágio no exterior permitia ao bolsista adquirir um considerável registro de comparações, assim como, vivenciar a realidade de algum país altamente industrializado. Geralmente nalguma universidade muito bem equipada e com amplos recursos para seu funcionamento. Para a grande maioria isso ofuscava o esclerosamento nesses países de muitos hábitos herdados da origem medieval e das imperfeições das medidas de sua superação. Para enfrentar a carga nobiliárquica da cátedra vitalícia, por exemplo, haviam surgido ali as estruturas departamentais. Algo que o projeto da UNB superara por força de país novo. O projeto da UNB havia substituído a estrutura de departamentos por uma estrutura de grupos de trabalho interdisciplinares com base na solução de problemas concretos.
Sendo as soluções dos problemas candentes geralmente vistas como de caráter subversivo, restava ao bolsista retornado construir uma disciplina segundo o tema de sua pós-graduação e limitar-se a uma prática de sua teoria pondo um pé no mercado externo à academia e ficar dividido quanto a sua dedicação exclusiva. A universidade viu-se povoada de disciplinas desconexas entre si e desligadas de sua aplicação prática.
Como o interesse pelas experiências concretas dos paises em busca do socialismo foi excluído da universidade, restaram duas tendências dominantes de visão de mundo, o que até hoje caracteriza a composição ideológica da UNB: o neojesuitismo e o social-darwinismo. Expressão flagrante disso foi a recente eleição para a ADUNB-UNB. Duas chapas com fortes raízes no humanismo católico, amigo do povo e com pena dos pobres, e uma chapa marcada pelo pragmatismo republicano defensor da causa pública e laica. Ambas acreditando que basta melhorar o capitalismo segundo os respectivos princípios dessas tendências, para se alcançar uma sociedade justa e fraterna. Como nenhuma das duas incorpora a busca do conhecimento da transformação e das mudanças da realidade através do pensamento objetivo crítico, mostram-se débeis na resistência ao favoritismo e a corrupção hoje enfrentada pela UNB.
O advento das idéias neoliberais e da globalização capitalista no fim do século XX teve fortes reflexos na UNB. De início sorrateiramente para depois ser defendido abertamente passaram a ser vistos como melhores professores aqueles capazes de captar recursos financeiros externos à universidade. O corpo de engenheiros é dentre os profissionais liberais o que historicamente mais se adestrou na fundação de fabricas e empresas de construção. Não é por acaso que a principal instituição captadora de recursos veio a ser a FINATEC por iniciativa da Faculdade de Engenharia.
A UNB passou a se caracterizar, portanto, por uma fundamental contradição ideológica, bem como, por um acentuado comportamento individualista. Comportamento que abriu as portas da universidade ao capital financeiro e a distorção da produção de conhecimento em produção de capital. Só faltou tornar-se acionária com participação na Bolsa de Valores.
A possibilidade da negação da negação
Hoje a UNB vive um novo momento histórico que pode ser caracterizado como um salto histórico. Isso me faz recordar uma explicação dada pelo professor Edgard Graeff quando no inicio da UNB lhe foi perguntado por alunos o que e como era essa lei da História. Professor Graeff o era de História e Teoria da Arquitetura. Dizia ele: No início os homens viviam livres na natureza, eram donos da paisagem e do horizonte. Depois com a produção de excedentes surgiram as feiras como pontos de troca e posteriormente as cidades com suas praças e mercados. A liberdade inicial foi negada por um novo tipo de assentamento que necessitava proteger-se contra a usura e cobiça de outros assentamentos e donos de terra. As cidades frequentemente resultaram fortificadas e de conteúdo exíguo e comprimido. Hoje estamos em vias de uma nova formação social; ferramentas modernas e novos meios de produção passam a exigir assentamentos de outra grandeza. Escala, proporção e fluidez espacial necessitam ser de novo tipo como estamos considerando com o plano de Brasília.
Esta negação da primeira negação nos permitirá também recuperar valores perdidos a partir da primeira negação. É por isso que estamos elevando os prédios de apartamentos sobre pilotis. Os habitantes de Brasília poderão percorrer o terreno com toda liberdade e apropriarem-se de sua paisagem, bem como, de seu horizonte.
Esse modesto exemplo serve também para a UNB. Neste segundo salto histórico que eclodiu por iniciativa dos estudantes; por uma mocidade ávida e entusiasta, é possível recuperar valores e hábitos perdidos e abandonados à partir do primeiro salto histórico: o contraditório na compreensão da realidade e os mecanismos de interação e ação recíproca necessários à intervenção na mesma. Não se trata de repetir particularidades. Isso seria ortodoxia. Mas de recuperar conquistas essenciais como referências históricas e cognitivas.
(Publicado originalmente em http://unblivre.blogspot.com.br, em 25 de maio de 2008).