sábado, 15 de dezembro de 2012

DE MARX AO MARXISMO DE HOJE




Frank Svensson – 19.10.2003 
                                          
A revolução russa (1917), bem como, a revolução alemã, a chamada república de Weimar (1918/19), delimitam um período do desenvolvimento do marxismo. Pela primeira vez dois partidos socialistas adotaram-no declaradamente como ideologia ao deter o poder do estado. Evidenciaram-no como uma das principais correntes de pensamento do século XX.  À diferença da época anterior, o marxismo ganhou sua Meca. Passou a gozar de referencias geopolíticas concretas das quais captar orientação, não se limitando mais a pronunciamentos individuais de personalidades como Engels, Kautsky, Plechanov e outros.

Desde 1920 até os anos 70 o marxismo-leninismo oriundo da experiência soviética e da dos países do leste europeu marcou o desenvolvimento do marxismo. Os marxistas da socialdemocracia praticamente desapareceram ou foram ligados a distintas distorções do marxismo. Após a segunda Grande Guerra diminuiu ainda mais a liderança teórica de pensadores individuais. No ocidente o desenvolvimento do marxismo como corpo teórico voltou-se para o mundo acadêmico. Segundo Susan James esses novos teóricos marxistas, à diferença de seus antecessores não viram a obra de Marx como fonte de previsão do futuro ou como elaboração de um manual de ação revolucionária, mas como origem de um rico e instigante método  explicativo da realidade.1

Com a divisão do socialismo internacional entre comunistas e socialistas, com as contradições entre marxistas revolucionários e partidos institucionalizados, e entre distintos enfoques de marxismo teórico, a original dialética de Marx (entre conhecimento histórico, revolução, teoria econômica e organização do movimento obreiro) decompôs-se em suas partes.  Essa desintegração daquilo que um dia constituiu a obra total de Karl Marx é talvez a principal característica e problema do marxismo dos nossos dias.  Essa divisão em áreas distintas, com diferentes projetos, diferentes tendências teóricas e distintas práticas é hoje tão flagrante que é de se perguntar o que restou do projeto original de Marx. Sua totalidade dialética constituía um sistema que era garantido por relações internas de componentes condicionantes uns dos outros.

Nem a teoria de Marx (filosofia e economia) ou a prática (estratégia revolucionária e organização dos trabalhadores como classe) baseou-se em algo fora dos homens, entendidos em suas atividades, dentro de condições históricas particulares. A grande diferença entre a síntese de Marx  e as dos que vieram depois decorre dele incluir o concreto trabalho humano em sua dialética histórica.

O sistema filosófico de Hegel, composto da lógica dialética, da filosofia da natureza e da filosofia do espírito 2, formava ele também uma totalidade na qual as distintas partes eram dependentes umas das outras. Essa maneira de relacionar distintas áreas da realidade entre si como partes de uma totalidade necessária era característica tanto para Hegel como para Marx, bem como para o marxismo inicial. É justamente nisso que se percebe a continuidade entre Hegel, Marx e os primeiros marxistas. O que os distinguia eram as partes constituintes das respectivas totalidades e como por sua vez produziam distintos conceitos sobre os elementos mantidos no desenvolvimento do marxismo daí decorrente.

A principal mudança de Hegel a Marx foram suas restrições quanto ao conceito hegeliano do absoluto, ou seja, o entendimento de uma ideia ou de um espírito existente desde o surgimento do universo e independente da historia humana. Para Hegel a natureza objetiva era expressão dessa ideia já num segundo estágio, o de quando ainda não tinha consciência de si mesma. Condição básica para a estruturação de todo o sistema de Hegel. A crítica de Marx à noção hegeliana do absoluto baseava-se na crítica naturalista que Feuerbach fez de Hegel, e em Feuerbach concebendo   a sua totalidade no realmente terreno e no homem dotado de sentidos.
À diferença de Feuerbach, Marx via esse homem como ser objetivo e ativo, atuando em circunstâncias historicamente determinadas. Desenvolveu uma filosofia da história de conteúdo totalmente distinto da de Hegel.  Segundo Marx a essência da história humana reside no desenvolvimento de suas forças produtivas dentro de suas condições sociais e não como queria Hegel afirmando o desenvolvimento espiritual dos homens como a questão central.

A economia constituía em Marx a base das relações sociais, ou seja, do comportamento social dos homens. O restante da totalidade de Marx, a elaboração de uma estratégia da revolução socialista, compunha-se de duas partes: 1) a teoria da revolução socialista e  2) a teoria e o trabalho de organização da classe obreira. Aqui também havia uma interdependência das partes, ou seja, não é possível entender a teoria da revolução de Marx desligada da teoria da organização da classe obreira e vice-versa. Condições históricas fizeram, no entanto, com que essas duas partes se separassem ao correr do tempo.

O conceito de totalidade de Marx baseia-se numa práxis filosófica de caráter político tendo a práxis revolucionária como sua principal categoria. Sem a mesma as demais partes da totalidade de Marx podem facilmente ser vistas como isoladas umas das outras. Vê-se então, por um lado, a revolução socialista em resposta a uma necessidade histórica e econômica objetiva dependente de uma práxis revolucionária, e, por outro lado, a organização da classe trabalhadora como um movimento em si independente de práxis revolucionária. Nesse caso a totalidade de Marx pode facilmente ser reduzida a uma teoria da história, bem como, a uma teoria econômica, ambas objetivas mas independentes do processo histórico do qual participam, tanto como teoria sobre a história como como teoria sobre a economia capitalista para a continuidade da história e como teoria da revolução socialista.

Mesmo se a ideia de um socialismo científico, baseado em leis dialéticas, foi importante para a vitória do marxismo como ideologia de movimento, há que considerar que o seu desenvolvimento teve como determinantes as condições sociais e políticas reais da Alemanha e da Rússia. Na Alemanha existia já em 1880-90 um movimento obreiro politicamente orientado para o socialismo, mas faltava um movimento revolucionário que com todos os meios lutasse pela queda do regime reinante. Na Rússia dava-se o contrário. Lá havia a mais de meio século uma tradição de luta clandestina revolucionária, mas sem um movimento operário autônomo. Foi pelo marxismo que o movimento operário alemão teve sua identidade caracterizada como revolucionária, enquanto que o movimento revolucionário russo teve suas raízes no proletariado teoricamente identificadas pelo marxismo. Com a ajuda do marxismo podia-se ignorar o fato que o movimento operário alemão não era, e nunca havia sido, um movimento revolucionário da mesma forma que na Rússia com a ajuda do marxismo foi possível legitimar o surgimento de um movimento operário independente e muitas vezes em contradição com a intelectualidade revolucionária daquele país.

Quando nos anos 1890 a tendência reformista do movimento alemão, bem como, a tendência economicista do movimento obreiro russo começou a despontar, a ideologia do marxismo teórico viu-se desafiada. Na Alemanha perguntava-se se o movimento operário era realmente revolucionário enquanto na Rússia se questionava a posição do movimento operário em face da revolução burguesa.

Outra tendência de se notar foi a de uma maior compreensão pela dialética da natureza desenvolvida por Engels, do que do conceito de atividade humana apresentado por Marx. O desenvolvimento do capitalismo e sua passagem para uma sociedade socialista foram em muito entendidos como decorrentes de um processo histórico sujeito a leis similares às da natureza. Mesmo se a ideia de um socialismo científico (à guisa das leis da natureza) baseado em leis dialéticas foi importante como ideologia do movimento comunista, o desenvolvimento e conteúdo do marxismo foram determinados muito mais pelas relações políticas e sociais das condições concretas e factuais. Na Alemanha, como já vimos, havia um movimento operário organizado e voltado para o socialismo, enquanto que a Rússia detinha uma tradição de meio século de trabalho de oposição clandestina ao regime tzarista. Essa dualidade histórica do desenvolvimento do marxismo tornou a dialética -- como síntese entre filosofia da história, teoria econômica, movimento revolucionário e organização da classe operária – problemática.

São conhecidos os esforços de personalidades como Bernstein, Lênin e Rosa de Luxemburgo por resolver o problema. Condições idênticas às de Marx e as de décadas após não voltaram a se apresentar. Marx foi quem inegavelmente apontou certos processos fundamentais da economia capitalista melhor do que qualquer um de seus concorrentes, como por exemplo: a vitalidade da economia capitalista, seu poder de concentração e centralização e o inevitável das crises econômicas. Conseguiu prever que a classe trabalhadora tornar-se-ia uma classe específica da sociedade burguesa e que no desenvolvimento do capitalismo dar-se-ia um movimento social e político entre os trabalhadores. Nisso residiu e reside ainda a força do corpo teórico e do exemplo de vida de Marx.

Os seus esforços por uma síntese das condições burguesa e proletária, do objetivo e do subjetivo, de materialismo e de idealismo, de ciência e de crítica, de reforma e de revolução, resultaram após a sua morte numa ciência objetiva materialista revolucionária com sua expressão maior no marxismo-leninismo. Foi nele que se quis manter a ação recíproca dos componentes da totalidade reconhecida por Marx. Em muito por formas afins às da dialética da natureza. O grande desafio de nossos dias passa pelo reconhecimento ativo de o marxismo fundamentalmente constituir um corpo teórico identificado por seu caráter ativo e político. Pelo esforço em favor da síntese contemporânea de seus componentes essenciais. Para tanto não bastam as ações e reflexões individuais por mais interessantes e instigantes que possam ser. Implica a ação e reflexão resultante de formas socialmente organizadas entre as quais os partidos e agremiações que se querem de base marxista são chamados a assumir um papel de vanguarda.3


No t a s :

1 - Susan James no capitulo sobre “Louis Althusser” em Skinner, Quentin: Return of Grand Theory in the Human Sciences. Cambridge 1985.

2 - A Filosofia do Espírito de Hegel é constituída de três partes: Espírito subjetivo, que trata do que se poderia denominar questões psicológicas, bem como, das aptidões do ser humano como ser pensante; Espírito objetivo que trata o espírito corporificado na sociedade humana, ou seja, sua Filosofia da História e Filosofia Política; e finalmente Espírito absoluto que trata do conhecimento absoluto de si mesmo expresso na arte, na religião e na filosofia.

3 – De Per Manson: Fran Marx till Marxism – En studie av Karl Marx och marxismens framväxt (De Marx ao marxismo – Um estudo sobre Carlos Marx e o desenvolvimento do marxismo). Röda Bokförlaget, Gotemburgo, 1987.

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Eleições do DCE na UNB: Reacionarismo e Barbárie



                Na última terça-feira dia 27 de novembro às 12:30 horas no Anfiteatro 11 do Instituto Central de Ciências - UnB as 06 Chapas que estão em campanha para as eleições do Diretório Central dos Estudantes – DCE da UnB realizaram um debate para apresentação/discussão de programas e propostas. Momento importante e legítimo de organização estudantil é também um termômetro importante para a apreensão de quais projetos estão em disputa e o que eles representam para a vida acadêmica e o que expressam das contradições e conflitos que atravessam a própria sociedade.
                Neste debate e, a própria campanha, não obstante o fato de existirem 06 chapas, revela claramente duas forças em disputa: os segmentos de direita e reacionários de um lado, e, uma articulação de esquerda.
                O debate de terça-feira, deixa clara a necessidade de uma tomada de posição efetiva dos setores progressistas e de esquerda da universidade em torno de um projeto que contraponha radicalmente esta direita reacionária que ai está. Ademais todo o legalismo, a visão privatista da universidade pública, a ausência de posicionamento e crítica em face do governo distrital e federal que garantem o aprofundamento da educação como mais um serviço vendável, mais uma mercadoria como todas as outras; o debate de terça-feira revelou também a barbárie social expressa nas opressões sociais que são tão amplamente difundidas na sociabilidade.
                O preconceito que se efetiva sob diversas formas de discriminação é uma realidade que atravessa a vida de mulheres e homens. A diversidade humana que se expressa na etnia, no gênero, na orientação sexual no modo de ser e viver tem sido espaço fértil para diversas modalidades de opressão. Na terça-feira manifestações abertas e claras de racismo apresentaram-se durante o que deveria ser um debate realmente político.
                Nós comunistas somos radicalmente contrários ao racismo, porque enquanto forma de opressão particular ele revela também uma dimensão universal, aquela que remete a sociabilidade sob a égide do capital que convive ou reinventa formas de arrefecer a existência humana tornado-a tão banal como o sentido descartável dos objetos que são produzidos e consumidos. E, também porque o racismo assim, como todas as outras formas de opressão, evidencia a nossa perda de reconhecimento da nossa genericidade. Reafirma-se uma sociabilidade de “eu” incapaz da “consciência de nós”.
                O que foi posto as claras no debate dos estudantes, demonstra o legado do capitalismo para esta e as próximas gerações: mais barbárie, mais conformismos, mais indiferença, mais intolerância. 
                Diversas são as trincheiras nesta luta que podem e devem ser ocupadas seja na educação, na política, nos movimentos sociais, nos partidos, nas artes... em todos estes âmbitos existem sim especificidades próprias, mas com certeza o que articula tudo isso é a necessidade de combate não só ao neoliberalismo e ao reformismo, mas imprimir a todas as lutas um caráter anti-capitalista.      

Por Adrianyce Angélica Silva de Souza. Base Heron de  Alencar / PCB

sábado, 1 de dezembro de 2012

Juventude Comunista discute Universidade Popular

Por Erica Ramos e Joseane Rotatori*


Apesar de muito se propalar a ideia de direito à educação como necessária à emancipação de uma sociedade, vivemos um processo crescente de mercantilização desse direito básico e assegurado pela Constituição Brasileira. Nas reflexões iniciadas na III Reunião do Grupo de Trabalho Nacional de Universidade Popular – GTNUP sinalizamos a necessidade de promover um sistema educacional que possibilite o acesso universal de toda à população e que reflita, sobretudo, sobre a nossa organização em sociedade.


Apesar dessa pretensão, o Movimento pela Universidade Popular (MUP) toma como ponto de partida os questionamentos acerca do nosso atual modelo que se orienta, predominantemente, pela meritocracia - como diretriz fundamental do acesso -, pela privatização do ensino– onde há busca incessante pelo lucro, em detrimento, de uma educação de qualidade. A respeito do primeiro aspecto, explicitamos que tanto o sistema de cotas quanto a abertura de cursos superiores voltados a capacitar movimentos sociais e grupos específicos situa a preferência pelo mérito antes como valor cultuado no universo acadêmico do que como princípio necessário para a educação que queremos. A educação como direito, portanto, não se destina a agraciar os mais bem colocados em vestibulares que mensuram o conhecimento escolar, mas se volta a reparar situações históricas de acesso desigual à educação formal. Entretanto, tais ações têm ocorrido mais à margem da política educacional de sorte a questionar as convencionais formas de acesso e a meritocracia, não se colocando como alternativa para repensar a educação como via de transformação social.
Quanto à privatização do ensino, vimos que o Estado, em vez de elaborar políticas sociais que buscam a universalização não somente do ensino básico, mas também, do ensino superior, investe em programas como o ProUni, projeto que amplia o acesso ao ensino superior privado mas com o custo do envio de montantes megalomaníacos aos tubarões da educação. Outra forma de popularização verifica-se com a massificação da educação superior que para alguns estratos da população é apontada como uma via de ascensão social. Seu contraponto incide no fato de essa expansão do ensino se dar a partir de uma flexibilização curricular e das diretrizes básicas que devem acompanhar a oferta de cursos superiores limando a qualidade da educação superior. Ainda nesse Eixo, programas como o REUNI ampliam o número de vagas, mas são desprovidos de um debate que gere uma real mudança, em todos os níveis, desde a construção democrática de currículos preocupados com sua inserção social até, e principalmente, o acesso das classes mais desfavorecidas e excluídas.
Durante a III Reunião do GTNUP foram feita duas campanhas de grande importância no espectro dos debates sobre educação pública, gratuita, de qualidade e, sobretudo popular. A primeira propõe a luta contra o PL 2177 – Código Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação. Esse PL trará uma verdadeira submissão das universidades públicas e federais ao capital privado, uma vez que as universidades públicas terão cada vez mais apoio das fundações de apoio privadas e agências de fomento ao invés do financiamento público de qualidade. Essas fundações privadas irão condicionar o desenvolvimento de suas pesquisas a interesse do mercado e não da classe trabalhadora, no geral.
Já a segunda campanha, foi contra a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), criada pela Lei nº 12.550/2011. A implementação desse projeto determina a atuação dos Hospitais Universitários (HU’s) e/ou Hospitais das Clínicas (HC’s) na contramão do papel social que a saúde pública deve cumprir, ao privatizar mais de 45 hospitais em todo o país e romper com o monopólio do SUS. Esses hospitais perderão a sua autonomia universitária, deixando de ser um espaço de ensino, pesquisa e extensão de qualidade para se submeter a uma lógica de mercado, com cumprimento de metas e precarização do regime de trabalho. É uma privatização de dois bens públicos, a educação e a saúde. Esses dois bens não podem ser submetidos à lógica do mercado.
Apesar de a discussão a respeito da educação popular explanar sobre o acesso à educação, ela prima, sobretudo, pelo conteúdo que é reproduzido/produzido nessa atividade. A educação que dispomos, mesmo que no seu mais alto grau de excelência, valoriza e inserção profissional no mercado de trabalho e menos a superação de um sistema de produção/reprodução assentado na desigualdade. Em vista disso, reivindicamos uma educação que vise o rompimento com a reprodução da sociedade de classes em sua construção, rumo à transformação social e a não subordinação das necessidades humanas aos interesses governamentais e do capital, de forma que desconstrua a legitimação da manutenção da ordem vigente. 

* Erica Ramos e Joseane Rotatori são militantes do PCB e mestrandas na Universidade de Brasília.