sexta-feira, 17 de maio de 2013

Breve balanço das polêmicas e dissidências comunistas no Brasil



Ricardo Costa, Milton Pinheiro e Muniz Ferreira, membros do Comitê Central do PCB

Fundado nos dias 25, 26 e 27 de março de 1922, em Niterói, o Partido Comunista surgia em meio ao contexto internacional da afirmação do regime socialista na Rússia, após a Revolução Soviética de 1917, e da criação da Internacional Comunista em 1919. No ano de 1924, admitido no órgão máximo representativo dos comunistas em todo o mundo, adquiria a condição de Seção Brasileira da Internacional Comunista (PC-SBIC). Ao longo da sua história, o PCB sofreu grandes dificuldades para se afirmar como legítimo representante da classe trabalhadora brasileira, enfrentando regimes políticos repressivos e a ira da burguesia, que sempre viu nos comunistas a maior ameaça política à manutenção e reprodução dos interesses capitalistas no país.
Mas o PCB também viveu inúmeros momentos de disputas internas em torno da definição da estratégia e da tática corretas a serem adotadas visando à construção da alternativa socialista. Sem dúvida alguma, um desses momentos mais complexos e contraditórios foi o período que abarca as décadas de 1950 e 1960, quando as profundas transformações pelas quais passavam o sistema capitalista em todo o mundo e os enormes desafios que enfrentavam os estados socialistas levavam a diferentes posicionamentos políticos e provocavam intensos debates. Nestas décadas, o PCB adotou, num curto período de tempo histórico, duas linhas estratégicas diametralmente opostas: uma, definida pelo Manifesto de Agosto de 1950, sectária e esquerdista na tática, orientava na direção da luta revolucionária aberta, como pregava o programa da Frente Democrática de Libertação Nacional (FDLN); outra, desenhada na Declaração de Março de 1958, apostava na luta de massas, mas apontava equivocadamente para a possibilidade de uma via pacífica rumo ao socialismo e consolidava a estratégia nacional democrática, propondo a aliança dos trabalhadores com a burguesia nacional.

O período intercalado entre a cassação do Partido, em 1947, e o suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, marcado pela Guerra Fria e pela onda repressiva sobre o movimento operário e os comunistas, faria aflorar o sectarismo entre os dirigentes comunistas, que passaram a pregar a recusa das alianças, fosse no movimento sindical ou na arena política. Marco doutrinário desta guinada à esquerda, o Manifesto de Agosto de 1950 foi escrito pela direção nacional do PCB no momento em que os Estados Unidos desencadearam a intervenção militar na Coreia, episódio que despertava a convicção da iminência de uma nova guerra mundial, reforçada pela ameaça real do uso das armas nucleares num provável confronto em que se via como praticamente inevitável o envolvimento das duas maiores potências militares do planeta. A conjuntura internacional ameaçadora empurrava os comunistas a adotar, internamente, postura que negligenciava a importância, apesar de seus limites, da participação no jogo eleitoral burguês, ao apostar na ruptura institucional, quando todo o peso da ação política passava a recair na luta para libertar o país do jugo imperialista, excluindo-se quaisquer possibilidades de avanços e conquistas parciais no campo político e social. O Manifesto pregava ainda a imediata aplicação de um programa anti-imperialista, num discurso marcado pela perspectiva do “tudo ou nada”, em que o dever dos comunistas seria transformar a iminente guerra imperialista em guerra revolucionária de libertação nacional.
Entretanto, o quadro internacional, ainda que permanecesse dramático em função da Guerra Fria e da corrida armamentista, parecia desanuviar, desarticulando o discurso catastrofista e obrigando os militantes do PCB a adotar atitude que os retirasse do impasse tático-programático no qual se colocaram. Mas o fator primordial que forçou, nos primeiros anos da década de 1950, a desconsiderar, na prática, as orientações da direção do partido foi a drástica redução da militância nas duas principais frentes de ação partidária: entre os trabalhadores e os intelectuais, com efeito mais visível no interior do movimento operário e sindical, principalmente em função da tática de combate aos sindicatos oficiais através da organização de estruturas sindicais paralelas. Não restou alternativa senão retomar as ações dentro dos sindicatos e nas campanhas de massa do período, como a luta pela paz e a criação da Petrobrás. O suicídio de Vargas e as grandes manifestações populares dele decorrentes fariam acelerar o processo de reentrada do PCB no movimento de massas e na luta política geral.
A gradual ruptura, na prática, com a linha do Manifesto de Agosto permitiu que os comunistas contribuíssem de forma efetiva para a deflagração da grande mobilização operária acontecida em março de 1953, a “greve dos trezentos mil”, como ficou conhecido o movimento responsável pela paralisação de trabalhadores têxteis e metalúrgicos paulistas, principais categorias envolvidas. A partir do suicídio de Vargas, em 1954, cresceu entre os dirigentes comunistas a percepção da necessidade de se promover alterações substantivas na sua forma de intervenção junto à sociedade brasileira, surpreendidos que foram pelas massivas manifestações antigolpistas dirigidas contra aqueles que o povo identificava como opositores de Vargas, dentre os quais o próprio PCB. Aqueles acontecimentos empurrariam, pouco a pouco, o partido a reconhecer diferenciações nas forças políticas nacionais e a valorizar a questão democrática como um dos caminhos para a conquista de demandas populares, mesmo que o IV Congresso do PCB, realizado apenas alguns meses após o suicídio do Presidente, não tivesse sido capaz ainda de oficializar tais mudanças.

O chamado processo de “desestalinização”: debates e dissensões no PCB

O coroamento do processo de renovação da linha política deu-se, de fato, com as discussões em torno dos informes do XX Congresso do PCUS (Partido Comunista da União Soviética), que, realizado em fevereiro de 1956, deu início ao chamado processo de “desestalinização”, deixando perplexos os militantes dos partidos comunistas. No Brasil, o debate provocou a divisão do partido, fundamentalmente, em três correntes: uma, que pretendia aprofundar as mudanças iniciadas com o processo, inclusive com a negação de princípios leninistas; outra, que rejeitava qualquer crítica ao período em que Stalin foi o dirigente máximo da URSS e do movimento comunista internacional; a última, formada pelo núcleo hegemônico no interior do PCB, que tentava obter um equilíbrio entre as posições anteriores.
O primeiro grupo, composto principalmente por intelectuais ligados à imprensa mantida pelo PCB, maior responsável pela deflagração dos debates, centrava suas críticas no autoritarismo partidário e no dogmatismo, apresentando propostas políticas alternativas ao programa do IV Congresso, que foram sintetizadas em artigo de Agildo Barata publicado em Novos Tempos, em setembro de 1957. Dentre elas destacava-se a ideia de uma etapa preferencialmente anti-imperialista da revolução brasileira naquele momento histórico, a exigir uma fase inicial de acumulação de forças que abriria mão da hegemonia do proletariado em troca da formação de uma ampla “frente única, nacional e democrática”, capaz de unir operários e camponeses a representantes até da grande burguesia e dos latifundiários em torno de um projeto nacional-reformista. No decorrer da discussão política, o grupo ficaria isolado na luta interna, Agildo Barata seria expulso do PCB, e muitos dos seus companheiros “renovadores” abandonariam as fileiras do partido.
O segundo grupo, minoritário no centro dirigente comunista (João Amazonas, Maurício Grabois, Pedro Pomar e Diógenes de Arruda Câmara, os quais haviam composto, juntamente com Prestes e Marighella, o grupo responsável pela reorganização do Partido nos anos 1940, através da Comissão Nacional de Organização Provisória – CNOP), preocupado, acima de tudo, em manter os princípios doutrinários e a organização partidária centralizada, repelia veementemente as críticas ao período de Stalin. Em julho de 1957, na primeira reunião do Comitê Central de que Prestes tomava parte após a retirada para a clandestinidade em 1948, foi a vez de o partido acertar suas contas com este grupo, então identificado como “conservador” e “dogmático” por recusar as novas orientações vindas de Moscou. Como resultado da intensa luta interna travada no interior do Partido e pelo fato de o grupo ter ficado em minoria no debate, Arruda Câmara, Grabois e Amazonas perderam seus postos na Comissão Executiva e foram deslocados para outros Estados por decisão do colegiado do CC.
O núcleo dirigente central consolidou-se em torno das lideranças de Giocondo Dias, Mário Alves, Jacob Gorender e Armênio Guedes, entre outros, aos quais se juntaram Prestes e Marighella, grupo que, tendo se constituído ao longo da polêmica interna, tornou-se majoritário no PCB, ao adotar uma política equilibrada, recusando a crítica aberta dos “renovadores” à estrutura partidária, ao mesmo tempo em que aceitava, com cautelas, críticas ao período em que teria predominado o culto à personalidade de Stalin. Este grupo foi responsável pela redação da Declaração de Março de 1958. Sob coordenação de Giocondo Dias, conforme designação do Comitê Central, foi organizada comissão para redigir documento que sistematizasse a posição do coletivo sobre as discussões travadas a partir do informe do XX Congresso do PCUS. A comissão formada por Mário Alves, Alberto Passos Guimarães, Jacob Gorender, Armênio Guedes, Dinarco Reis e Orestes Timbaúba, com acompanhamento de Carlos Marighella, além de Dias, redigiu o polêmico manifesto, que foi aprovado no Comitê Central, após intensos debates.

A Declaração de Março de 1958: a nova estratégia política do PCB

A nova orientação dada pela Declaração de Março de 1958, concebida sob o impacto dos debates provocados pelo informe do XX Congresso do PCUS, passava a reconhecer, explicitamente, o desenvolvimento capitalista em curso dentro do país e indicava a necessidade da interferência dos comunistas nos rumos deste processo, por meio de pressões populares sobre o Estado. Isso explica a participação cada vez maior do PCB junto aos movimentos nacionalistas e, em princípios dos anos 1960, na campanha pelas reformas de base, compondo um amplo arco de alianças que apostava numa alternativa de desenvolvimento econômico anti-imperialista. Para alcançar tal objetivo, no entanto, era vista como necessária a ultrapassagem dos “resquícios feudais” que os comunistas insistiam em identificar na realidade brasileira, o que os mantinham presos à perspectiva etapista da plena realização do capitalismo como forma de iniciar a transição para a sociedade socialista.
Outro ponto de destaque no documento foi a importância dada à questão democrática, ainda que permanecendo subordinada à questão nacional. A Declaração indicava a necessidade da confirmação dos amplos espaços democráticos, através da pressão popular, num processo de acumulação de forças, com vistas à conquista das soluções positivas para os problemas brasileiros. E apontava ainda a possibilidade real de se conduzir a revolução brasileira por meios pacíficos, com a obtenção de reformas profundas e consequentes na estrutura econômica e nas instituições políticas, chegando-se até a realização completa das transformações radicais colocadas na ordem do dia pelo próprio desenvolvimento econômico e social da nação.
A proposta de “união nacional” com a burguesia consolidava-se como parte fundamental do projeto de revolução democrático-burguesa associado ao processo de pleno desenvolvimento das forças produtivas no país e de consequente superação das “sobrevivências feudais”, expressas na grande concentração latifundiária e no elevado grau de exploração do campesinato, as quais freavam o progresso da agricultura e acentuavam a extrema desigualdade entre o sul/sudeste industrializado e o norte/nordeste agrário. O desenvolvimento capitalista nacional, naquela fase, era entendido como o elemento progressista necessário para destravar a economia brasileira, cuja expansão, aos olhos dos comunistas, chocava-se com a resistência do atraso representado pelo latifúndio e com a pressão externa exercida pelo imperialismo. Reforçava-se a ideia central segundo a qual as contradições básicas existentes na sociedade brasileira, naquele momento específico da história, dar-se-iam entre o conjunto da nação, de um lado, e o imperialismo norte-americano, de outro; entre as forças produtivas em desenvolvimento, de um lado, e as relações de produção semifeudais e semicoloniais predominantes no campo, de outro. Daí que a contradição entre capital e trabalho, sempre trabalhada pelos clássicos do marxismo como a contradição fundamental no capitalismo, não fosse vista como a mais premente naquela “etapa”, muito menos a sua solução radical.
A matriz ideológica deste pensamento encontrava-se nas diretrizes políticas adotadas a partir do VI Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1928, com vistas a orientar a atuação dos partidos comunistas nos países que viviam sob regime colonial, semicolonial ou eram dependentes economicamente dos centros capitalistas. O movimento comunista internacional, após a morte de Lênin, não raro passou a fazer uma leitura anacrônica e esquemática da obra leniniana, tentando estender a aplicação de determinadas propostas exitosas, formuladas no terreno específico da sociedade russa do início do século XX, a todas as sociedades, sem a preocupação e o cuidado de fazer um estudo profundo de cada realidade histórica onde se pretendia desenvolver a luta revolucionária.
Nos anos 1950, com a Guerra Fria, difundira-se também a perspectiva da eclosão de uma nova guerra mundial entre o centro imperialista (EUA) e os demais países capitalistas, enfraquecidos pela Segunda Grande Guerra. A tarefa dos comunistas, naquela etapa histórica, seria, portanto, não acirrar as contradições elementares entre capital e trabalho, mas, sim, aliar-se às burguesias nacionais na montagem de governos nacionalistas, contribuir para ampliar o fosso pretensamente existente entre capitalismos nacionais e o imperialismo, e, então, aguardar o momento certo para a emergência da revolução socialista. Desta mesma forma os comunistas do PCB enxergavam a realidade brasileira, como prestes a experimentar a considerada necessária etapa da revolução democrático-burguesa, entendendo ser possível e mesmo inevitável o desenvolvimento de um capitalismo nacional em contradição aberta com o centro do imperialismo mundial.
O fato é que a leitura equivocada da realidade brasileira, cujo processo de aprofundamento capitalista no sentido pleno da afirmação do capitalismo monopolista não era percebido pelos comunistas (e, na verdade, por quase todos os grupos de esquerda, que pregavam alternativas nacionalistas e não propriamente anticapitalistas, inclusive os que optaram pela luta armada), desarmou o conjunto da militância para o grande enfrentamento que viria a partir do golpe militar de 1964, golpe contrarrevolucionário dirigido pelas frações mais dinâmicas da burguesia brasileira, as quais não tinham contradição alguma com o imperialismo, o qual deu sustentação ao golpe. Muito pelo contrário, desejavam garantir a expansão do capital nacional e internacional no Brasil.

O V Congresso do PCB (1960): a luta interna em exposição

No ano de 1960, o PCB realizava o seu V Congresso. Em abril, o Comitê Central lançou as teses para discussão no órgão partidário Novos Rumos, e o debate demonstrou, centralmente, a divergência que punha, de um lado, o núcleo hegemônico formado em torno dos defensores da Declaração de Março de 1958 (Prestes, Giocondo Dias, Marighella, Jacob Gorender, Mário Alves, Armênio Guedes, etc) e, de outro, o grupo liderado por Maurício Grabois, Pedro Pomar, e João Amazonas, que, derrotado no Congresso, fundaria o PC do B dois anos depois.
As divergências expressas na tribuna de debates do jornal Novos Rumos entre o centro dirigente do PCB, responsável pela elaboração das teses para o V Congresso, e a “oposição dogmática”, assim denominada pelo primeiro grupo, na verdade davam continuidade à luta interna iniciada com o processo de “desestalinização”. Os mesmos personagens da disputa central anterior (com exceção de Arruda Câmara, que passou a se posicionar ao lado da direção) voltavam a se enfrentar, para o acerto de contas final no Congresso do partido. De um lado, a oposição liderada por Maurício Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar criticava a linha então hegemônica no partido, acusando-a de “direitista”, sem discordar da caracterização da revolução brasileira, naquela etapa, como anti-imperialista e antifeudal, nacional e democrática. Por outro lado, o centro dirigente, sob o comando de Luiz Carlos Prestes, Giocondo Dias, Jacob Gorender, Mário Alves e Carlos Marighella, imputava aos “esquerdistas” a pretensão de um retorno à linha política sectária dos programas anteriores à Declaração de Março.
Os pontos de maior discordância, para o grupo da oposição, encontravam-se nas seguintes diretrizes das Teses: a análise do desenvolvimento capitalista no Brasil era considerada “apologética” do capitalismo e do fortalecimento da burguesia, ao invés de destacar o crescimento do proletariado; o governo JK era definido como uma composição heterogênea de forças sociais e políticas, no lugar de ser apontado como “antinacional e antipopular”; o proletariado era relegado a uma posição subalterna na frente nacionalista e democrática, o que de fato significava entregar a direção do movimento anti-imperialista à burguesia. Por fim, a tese da viabilidade da via pacífica da revolução no Brasil era contestada de forma veemente pela facção oposicionista, que a considerava, na prática, uma orientação “nacional-reformista”, a encaminhar no sentido de uma política de acumulação gradual de reformas, desarmando o proletariado para a luta revolucionária.
Na defesa das Teses e dos princípios básicos da Declaração de Março, o centro dirigente entendia que a preocupação maior, naquele momento histórico, era definir o caminho para a “ação concreta de hoje e não a hipotética de amanhã”, a fim de conduzir o proletariado à liderança revolucionária de todo o povo. Daí a necessidade também de explorar as contradições existentes no seio do Estado brasileiro, percebendo a influência da burguesia nacionalista no acirramento dos conflitos em seu interior, o que permitiria realçar o seu caráter heterogêneo, no lugar de cair no esquema simplista da luta pelo poder, conforme no fundo seria a atitude do grupo “esquerdista”. A luta por um governo de coligação nacionalista e democrática envolveria a necessária pressão das massas e não o reforço do setor burguês no interior do Estado brasileiro.
No rebate às críticas dos adversários à linha hegemônica do partido, por exemplo, Apolônio de Carvalho combatia aqueles que recusavam a viabilidade do caminho pacífico para a conquista do poder, acusando-os de estarem aferrados à tendência idealista de ditar as leis em lugar da própria realidade e de interpretar os acontecimentos segundo seus desejos, impondo formas de luta inconsequentes às forças sociais, no afã de criar uma revolução em curto prazo. Também Prestes atacou o “esquerdismo” através de artigo no qual concluía haver uma falsa avaliação da situação internacional por parte de quem parecia subestimar a força crescente do sistema socialista mundial, a desagregação do sistema colonial e as demais contradições que, segundo ele, minavam o sistema capitalista mundial. O crescimento do movimento nacionalista e a tendência ao aprofundamento do processo de democratização no Brasil aventariam a possibilidade real de se constituir um poder revolucionário das forças anti-imperialistas e antifeudais sem a necessidade de recorrer a formas mais violentas da luta de classes, como a insurreição armada, o que não deveria ser apreendido como um abandono a priori do caminho não pacífico.

A fundação e a evolução do PC do B

O processo de luta interna acabaria provocando a divisão dos comunistas em duas agremiações distintas: parte substancial daqueles que atacavam as teses do núcleo hegemônico rompeu com o PCB no início da década de 1960, ao rejeitar as resoluções políticas aprovadas no V Congresso em 1960. Também contribuiu para o rompimento o descontentamento com o novo estatuto aprovado pelo Comitê Central do PCB em 1961, com vistas à obtenção do registro legal do partido junto ao Superior Tribunal Eleitoral. No novo estatuto deixava de constar a referência à “ditadura do proletariado”, e o antigo nome do Partido (Partido Comunista do Brasil, conforme fora criado em 1922) foi alterado para Partido Comunista Brasileiro, mantendo-se a sigla PCB. As mudanças facilitavam a legalização do Partido, dando-lhe um caráter essencialmente nacional, ao refutar na prática o pretexto que sempre justificou a cassação da legenda, qual seja, o vínculo com a Internacional Comunista e a URSS, mas a argumentação não foi aceita pelos dissidentes.
Por meio de um documento encaminhado ao Comitê Central do PCB em agosto de 1961 e intitulado “Em Defesa do Partido” (mais conhecido como a “Carta dos 100”, pois foi assinado por cerca de cem militantes e dirigentes), o grupo dissidente atacava o Programa e os novos Estatutos do Partido Comunista Brasileiro, discordando frontalmente da alteração do nome, das modificações feitas em pontos do programa anteriormente existente e do processo de legalização do Partido. Em fevereiro de 1962, parte do grupo fracionista, liderado por João Amazonas, Pedro Pomar e Maurício Grabois, organizou uma Conferência Extraordinária dissidente, elegendo novo Comitê Central e mantendo o nome Partido Comunista do Brasil, com a sigla PC do B. Esta conferência recusou qualquer crítica ao período de Stalin e manteve-se fiel às teses contidas no Manifesto de Agosto de 1950 e no IV Congresso de 1954.
Simultaneamente, ocorria também uma cisão no movimento comunista internacional. Confrontados com uma série de insucessos econômicos em suas tentativas de superação do atraso e do subdesenvolvimento chinês, às voltas com a divisão de seu território e o isolamento diplomático internacional, os comunistas chineses passaram a repudiar as teses soviéticas de coexistência pacífica com os países ocidentais. E evoluíram rapidamente para a proposição de uma linha política alternativa ao movimento comunista internacional: os líderes chineses ofereciam a experiência da Longa Marcha, o pensamento de Mao e a estratégia da guerra popular prolongada, adotados naquele país, como modelos a serem seguidos pelos revolucionários de todo o mundo, em particular da periferia subdesenvolvida. O PC do B não tardou a se situar no campo gravitacional do PC Chinês. Antes, no entanto, buscara o reconhecimento tanto da parte do governo soviético e seu partido (PCUS), quanto dos camaradas cubanos.
O PC do B aderia às análises maoístas que caracterizavam a URSS e os países do campo socialista como potências “social-imperialistas”, inimigas dos povos e da classe operária internacional. Após o golpe de estado reacionário de 1964, as diferenças de concepções e métodos de atuação entre o PCB e o PC do B se aprofundariam ainda mais. Enquanto o PCB adotava uma linha de resistência de massas e organização de uma frente democrática para o enfrentamento do regime de ditadura, o PC do B, inspirado pela teoria maoísta da “guerra popular prolongada”, tentou organizar um movimento guerrilheiro na região do Rio Araguaia. Confirmando tragicamente as avaliações do PCB sobre a inviabilidade do sucesso da luta armada em uma conjuntura contrarrevolucionária, este movimento, sustentado por um pequeno número de combatentes valorosos, mas sem contar com o apoio das grandes massas, foi terrivelmente esmagado pelas forças ditatoriais, deixando um lamentável saldo de mortos e desaparecidos no conflito.
Após a derrota no Araguaia e o falecimento de Mao Tsé Tung, o PC do B efetuou uma revisão em suas concepções e métodos, bem como em suas vinculações internacionais. Rompeu os laços políticos e ideológicos com o PC Chinês (sem jamais fazer, no entanto, a autocrítica de sua anterior adesão ao maoísmo) e cerrou fileiras com o Partido do Trabalho da Albânia (PTA). Nesta fase, além de preservar sua hostilidade para com os países que tentavam construir o socialismo nas difíceis condições do cerco imperialista, estreitou suas vinculações com os grupos fracionistas que combatiam, em diferentes países, os partidos comunistas. Privilegiando em suas relações tais grupamentos, o PC do B persistiu, ao longo dos anos de 1970 e 1980, em promover ataques aos partidos comunistas que não se alinhavam com as concepções do obscuro ideólogo albanês Enver Hoxha, estigmatizando-os como revisionistas e contrarrevolucionários.
Detalhe importante: o nome Partido Comunista do Brasil foi utilizado pelo grupo desde a Conferência de 1962, mas, num primeiro momento, ainda houve a tentativa de usar a sigla PCB. Após sua adesão ao maoísmo em 1969, alguns de seus documentos foram divulgados com a assinatura PC do Brasil Marxista-Leninista (ML), como era comum entre as dissidências maoístas de então. Oficialmente, a sigla PC do B somente passou a ser adotada no final dos anos 1970. Antes disto, o nome era abreviado para PC do Brasil, e seus militantes se referiam ao nosso Partido como PC Brasileiro, evitando também utilizar a sigla PCB para designá-lo.
Somente após a crise internacional que se abateu sobre o conjunto do campo socialista no final dos anos 1980, conduzindo ao colapso das experiências de transição socialista no leste europeu e ao desaparecimento do regime comandado pelo Partido do Trabalho da Albânia, o PC do B começou a reavaliar seu posicionamento frente às experiências socialistas remanescentes e ao movimento comunista internacional. Neste mesmo momento, o PCB mergulhava em uma crise profunda, provocada pela acentuação da atividade capitulacionista e liquidacionista de vários de seus dirigentes, a qual se concluiu com a infrutífera tentativa de extinção do PCB e a criação, por parte dos reformistas, de uma organização de perfil socialdemocrata, hoje de centro-direita. Graças à luta renhida dos verdadeiros comunistas em nosso país, esta tentativa se frustrou e, desde 1992, o Partido Comunista Brasileiro vive o processo de reconstrução revolucionária.

Que lições devemos tirar dos eventos históricos?

Nos últimos vinte anos, nós, comunistas do PCB, temos procurado caracterizar a realidade brasileira com base na perspectiva central de que o capitalismo desenvolveu-se de forma plena no país. Rompemos em definitivo com a estratégia nacional-democrática ou nacional-libertadora, a partir do momento que deixamos de ter qualquer ilusão com a possibilidade de construção de um “capitalismo nacional autônomo”, capaz de se chocar com os imperativos mundiais do capitalismo monopolista e do imperialismo. Tentamos aprender com os erros do passado, em especial com a derrota imposta aos comunistas e à classe operária pelo golpe de 1964 e pela ditadura que aprofundou o capitalismo no país. Daí afirmarmos categoricamente que o caráter da revolução no Brasil é socialista e defendermos uma estratégia de lutas anticapitalista e anti-imperialista como única alternativa possível à realidade atual, de hegemonia completa da burguesia.
Por sua vez, o PC do B, a partir dos anos 1990, passou a se adaptar crescentemente aos padrões da política burguesa em nosso país. Tal movimento se expressou na ênfase que este partido passou a conceder à sua atuação parlamentar, em detrimento do estímulo às organizações populares e classistas. O centro de sua ação política deslocou-se para a participação em coalizões políticas que possibilitavam tanto a eleição de parlamentares, quanto a sua presença em governos nas diferentes esferas da administração pública brasileira. Dessa experiência para a adesão às práticas clientelistas e fisiológicas foi um passo rápido, pois dirigentes do PC do B passaram a integrar diversos governos locais e regionais, muitas vezes presididos por frações das classes dirigentes brasileiras, empenhadas em confirmar sua hegemonia através de práticas demagógicas e mistificadoras acobertadas por uma retórica pretensamente social.

O mais impressionante é que, tendo se originado como críticos contundentes de teses às quais acusavam de “reformistas” e “direitistas”, hoje, os integrantes do PC do B abandonam drasticamente seu passado “radical” e “revolucionário”, abraçando o discurso nacional-desenvolvimentista do PT, de cujo governo participam, desde o primeiro governo Lula. Abraçaram acriticamente a concepção segundo a qual o crescimento do capitalismo brasileiro (dentro e fora do Brasil) é bom para os trabalhadores, que teriam a ganhar com a ampliação do acesso aos bens de consumo de massa. À frente do Ministério dos Esportes, submetem-se, sem pestanejar, a processos de elitização e subordinação das atividades esportivas à lógica da acumulação capitalista, estimulando a competitividade e a mercantilização. Exemplo disso é a forma como vem sendo conduzida a preparação do país para sediar a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, processos esses que têm sido envolvidos por inúmeras denúncias de corrupção e de amplo favorecimento aos grupos monopolistas.
O PC do B também desempenha um papel fundamental à frente da Agência Nacional de Petróleo, ANP, órgão que regula as atividades econômicas do setor petrolífero. Sob a sua gestão, a ANP tem operado como um instrumento da ampliação do controle desse ramo da economia brasileira pelo grande capital privado, nacional e internacional, fenômeno que se verifica tanto na prospecção de petróleo, quanto na diminuição gradativa da presença do estado brasileiro no setor. Pior ainda, a direção da ANP tem se mostrado leniente em relação à possibilidade de oferecimento das reservas de petróleo brasileiro localizadas na região do pré-sal para a exploração por parte dos grandes monopólios internacionais, em franco ataque à soberania nacional. A atuação parlamentar deste partido se dá a reboque da burguesia nacional. Seus parlamentares têm capitulado diante das ofensivas do grande capital sobre os direitos dos trabalhadores, como nos casos das contrarreformas trabalhista e da previdência, quando apoiaram as iniciativas governamentais em benefício da burguesia. Aliaram-se à representação dos grandes proprietários no Congresso Nacional na elaboração de projeto de lei ambiental que libera todos os ecossistemas brasileiros à impiedosa exploração feita pelo latifúndio e o agronegócio.
Na contracorrente de tais práticas, os comunistas do Partido Comunista Brasileiro – PCB – sentimo-nos orgulhosos de poder comemorar nossos 91 anos de vida, pois, hoje, mais do que nunca, ao trilharmos o caminho da reconstrução revolucionária de nosso Partido, resgatamos o legado heroico de lutas – assumindo os acertos e os erros, as vitórias e as derrotas – dos milhares de comunistas que ajudaram a construir a história da classe trabalhadora em nosso país.

PCB presente no ato contra os cortes de direitos dos/das trabalhadores/as

A Unidade Classista, UJC e o PCB  nas lutas do dia 24/04/13.












sexta-feira, 3 de maio de 2013

DIMINUIÇÃO DA MAIORIDADE PENAL - BANDEIRA DESUMANA E DA BARBÁRIE FASCISTA!


Por Antonio Carlos Mazzeo*



"[...] E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado
Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer
Plano de educação que pareça fácil
Que pareça fácil e rápido
E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau
E se esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital
E o venerável cardeal disser que vê tanto espírito no feto
E nenhum no marginal [...]
E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo
Diante da chacina
111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos
Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres
E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos"
(Caetano Veloso)


Em tempos de barbárie a violência generalizada mostra sua cara, mas essa vem coberta pela neblina, na forma de vulto obscuro em que não vemos além da superfície manifesta, como se topássemos com o fenômeno escancarado sem, no entanto, poder ver sua essência.

Tudo aquilo que se manifesta cotidianamente aparece de imediato, com falsa aparência de realidade, como se fantasiada de algo que é sem ser. Estou falando da contradição entre aparência e essência. O que nos vem como generalização é na verdade uma  particularidade-concreta.

A propagada "violência generalizada" tem razão de ser. Não nasceu do éter, ou de uma pretensa maldade inerente aos homens (aqui no sentido de humanidade). Ela possui determinações sociais. De modo que iniciemos a dar forma a esse conceito preconcebido, que retira a hominidade concreta da tal "violência".

Ela começa na violência de uma sociedade que retira os direitos reais das pessoas, ou dizendo de modo preciso, de um segmento da sociedade que já perdeu tudo, dos miseráveis, dos abandonados e desvalidos, dos rebotalhos de uma sociabilidade que suga até o bagaço a vida e a alma das pessoas e depois as joga à margem, ao Deus-dará.

Assim vivem a maior parte dos homens e mulheres da sociedade brasileira, por sua origem mesma, pela história de 400 anos de escravidão e de latifúndio, pelos vários períodos de ditaduras, pela exclusão-inclusora, pela autocracia burguesa, pelo descaso e pela manipulação dos poderosos. 

Nas últimas décadas a ofensiva neoliberal contra os trabalhadores foi de grande intensidade, balizadas pela renovada experiência fascistizante inaugurada pela defunda agente do capital financeiro e do imperialismo, Margaret Tacher. Em um país como o Brasil, de larga tradição de repressão aos movimentos dos trabalhadores - em que presidentes da república, como o nada saudoso Washington Luís , definiam a questão social como "caso de polícia" - essa política caiu como uma luva. Rapidamente a burguesia brasileira incorporou as políticas de desmonte das conquistas dos trabalhadores a seu dicionário prático, contando com a poio do mais eficaz agente da modernização conservadora, o Partido dos Trabalhadores (e seus aliados), transformado em estafeta dos interesses dos monopólios, da agroindústria e do capital financeiro. 

Mais do que isso, sob o silêncio conivente do govermo federal, muitos governos estaduais abriram guerra declarada contra os lutadores sociais - sindicalistas de oposição, líderes comunitários, líderes de trabalhadores rurais e lideranças étnicas - jogando suas tropas policiais contra os movimentos reivindicatórios e, principalmente contra os pobres e incluídos-excluídos. Assim está sendo no Rio de Janeiro, com a fúria demente de Cabral contra populações faveladas. Em São Paulo, o governador católico fundamentalistaque  apoia entusiasticamente uma das mais violentas polícia do mundo, a PM paulista - que diariamente assassina dezenas de negros e mestiços, todos eles pobres e, como diz o poeta, "mulatos e outros quase brancos. Tratados como pretos".  No campo, assassinam líderes de trabalhadores sem terras, matam e tratam índios como lixo. Nas cidades, perseguem os miserávies zumbis vítimas das drogas como se fossem animais raivosos!

Nesse quadro terrível de ascensão fascista - estrategicamente apoiada pela mídia brasileira, sabidamente golpista e aduladora dos poderosos, serviçal e baba-ovo do imperialismo estadunidense - a burguesia abre um novo front na guerra contra os pobres e miseráveis, voltando suas baterias contra os filhos menores do proletariado. O novo front de guerra contra os miseráveis quer institucionalizar o que já faz há anos; é abandeira da redução da idade penal.  Não é novidade o massacre sistemático das crianças filhas da pobreza, integrantes do contingente dos sem-futuro, basta que lembremos da chacina de crianças abandonadas e esfomeadas na Candelária, no Rio de janeiro, em 1993  - como diz outro poeta:"Já foi nascendo Com cara de fome. E eu não tinha nem nome Prá lhe dar." 

Na contra-mão da civilidade, ou do que resta dela na sociabilidade capitalista, os setores mais reacionários lançam a campanha que visa a legalização do aprisionamento de crianças e adolescentes. Contra tudo que o conhecimento científico demonstra, a burguesia em sua fúria, escancara seus dentes. Recusa o que dizem os mais respeitados pedagogos, psícólogos e sociólogos, de que o processo pedagógico mais eficiente é o do acolhimento e da proteção. Optam pela "pedagogia do fascismo", isto é, integrar os que são integrados e eliminar os incluídos-excluídos. Melhor dizendo: "criança infratora boa é morta". Afinal, matar bandidos infantís é antecipar a "profilaxia social" ! 

Não faltam boçais truculentos de plantão,  os falastrões fascistas da mídia golpista a incentivar, inclusive a adoção da pena de morte, até para os menores infratores. Basta ligar a TV a partir das 17:00h, para assistir programas macabros que tratam a delinquência resultante de uma sociabilidade truculenta que marginaliza e criminaliza a pobreza como questão de "índoles" ou de "falta de deus no caração". Como se o "mal" fosse uma opção e não resultado de complexas condições sócioeconômicas, educacionais e culturais. 

No mundo hodierno a mídia tem papel decisivo, enquanto complexo de aparelhamento ideológico e de hegemonia. Não se enganem, eles "fazem cabeças" e corações, instigam a verdadeira violência, quebram todas as necessárias mediações e ponderações analíticas sobre a relação da miséria humana e a violência. Sem temor de sermos minoria, temos que saber que a maioria da população está propensa a apoiar a redução da maioridade penal. Quero ilustrar minha argumentação, com duas cartas de leitores, do "painel do Leitor" da Folha de São Paulo" de 17/04/2013, sobre o massacre do carandiru. 
Por razões óbvias, cito apenas as iniciais dos nomes dos emitentes: 

Carandiru


1. "Tanto a imprensa como o promotor têm se pronunciado de forma inadequada sobre o tema. No processo ocorre uma eversão. A Promotoria não se desincumbiu de apontar os responsáveis pelo fato, elegendo a polícia como bode expiatório. Quem merece punição é o amotinado, não quem os reprimiu. A função do Ministério Público é a defesa da sociedade ou de facínoras?"
J.F.C (São Paulo, SP)

2. "É justa a indenização a familiares dos presos mortos no Carandiru. Mas que esse dinheiro venha do patrimônio pessoal das autoridades responsáveis pelo massacre e também, no caso das autoridades eleitas, do dinheiro das empresas que financiaram suas campanhas (elas são coautoras). Não tenho nada com isso."
O. C.G.  (São Paulo, SP)

A primeira carta citada é explícita, apoia o massacre, entendido como punição necessária, pelo fato dos amotinados serem prisioneiros condenados, ou como define, "fascínoras". Aqui, o Estado é entendido como organismo "vingador" da sociedade, com conotações bíblicas do Velho testamento, do deus vingador.
 A segunda carta citada, como podemos ver, é mais comedida, compreende a necessidade de indenizar os parentes da vítimas, mas exige que se desencumba o Estado e a sociedade, porque não tem "nada com isso"

Ambas expressam a posição de um largo segmento ganho pela ideologia da barbárie. Um, do fundamentalismo religioso, que transforma as instituições em instrumentos de vingança contra "pecadores". Outro, exime a sociedade e culpabiliza indivíduos. As duas posições materializam, hoje, um senso comum construído durante e depois da ditadura militar  

Nosso desafio é abrir uma contra ofensiva, dentro dos limites que temos, e colocar à discussão em nossos sindicatos e em nossos locais de militância e de trabalho essa questão, dentro de um outro parâmetro. Descriminalizar a pobreza implica, também, em apontar soluções para a criminalidade. Não a fascistizante, que deixa as penitenciárias em condições degradantes, que desagregam ainda mais o punido e que se constitui em escola de crime, uma senzala de desvalidos. Não as casas de acolhimento de menores nos moldes de casas de correções que desfiguram a infância e a adolescência, tornando-os homens lumpen-proletários precocemente degrados. 

É desafiante integrar incluídos-excluídos que fazem parte integrante da concepção societal engendrada pelo capitalismo
. Isso, como sabemos, será possível apenas em outra sociabilidade. Por ora, devemos procurar salvar esses brasileiros "sem eira nem beira" da sanha fascista. A luta pelos direitos e pela dignidade desses irmãos é o mínimo...e não podemos mais perder tempo!


*Antonio Carlos Mazzeo é professor na UNESP e militante do PCB.